Opinião

Gusttavo Lima, meteoro da ilusão

A culpa para que apareçam candidaturas aventureiras à Presidência tem a ver com a passividade e a insistência da nossa sociedade em se manter distante das questões políticas e de suas consequências

Cantor sertanejo planeja ser candidato a presidente em 2026 -  (crédito:  Marcus Soares/Gusttavo Lima/Divulgação)
Cantor sertanejo planeja ser candidato a presidente em 2026 - (crédito: Marcus Soares/Gusttavo Lima/Divulgação)

José Natal — Jornalista

É bom não confundir: a música Meteoro da paixão, sucesso nacional e mundo afora, é de Luan Santana. A música que muitos já estão sugerindo a Gusttavo Lima pode ser "meteoro da ilusão" — insinuação maldosamente elaborada, zombando da anunciada candidatura dele à Presidência da República. Há controvérsias quanto a essa previsão meio irônica, meio que de brincadeirinha, e outras colocações nada sérias.

Depois que Bolsonaro, com uma espingarda na mão e uma lista infinita de palavrões e ameaças, foi eleito uma vez e quase ganhou de novo à Presidência da República, é bom que o eleitor de bom senso ponha as barbas de molho. Quem se lembrou de colocar Pablo Marçal na mesma linha de raciocínio, bingo pela coerência.

Nascido Nivaldo Batista, na cidade mineira de Presidente Olegário, em 3 de setembro de 1989, o hoje Gusttavo Lima pensou em se lançar ao cargo de presidente dois anos atrás. Mas pelo fato de ter na época 33 anos, deve ter sido aconselhado por algum marqueteiro a esperar um pouco mais. Evitar uma relação com a idade de Cristo. A mídia e os mais afoitos não deixariam de apostar que a esperança de um milagre e uma ajuda divina daria uma força maior. As pessoas, às vezes, brincam com coisas assim. Gostem ou não do sertanejo, difícil acreditar que alguém que tenha mais de oito anos de idade não saiba quem é Gusttavo Lima. Alguns para amar, outros para ironizar e muitos para serem indiferentes.

Quando em 1977, em entrevista à Folha de São Paulo, o Rei Pelé disse que "o brasileiro não sabe votar" —  em pleno regime militar —, o mundo desabou sobre a cabeça dele. Mas essa é outra história, o legado de Pelé cobre qualquer proposta. 

É bom que se diga que Gusttavo Lima tem todo o direito de se candidatar ao que quiser, e misturar sua ousadia com o seu talento musical é levar o debate para outro patamar. Caso essa "ameaça" se consolide, o estrago não será apenas o registro de uma derrota da inteligência do povo brasileiro, mas uma evidente desconstrução de fé em tudo que se fez até hoje na busca por  uma imagem positiva para o país junto a organismos internacionais. O nome disso é retrocesso.

A culpa para que apareçam candidaturas aventureiras, como essa do cantor, muitas vezes tem tudo a ver com a passividade e a insistência da nossa sociedade em se manter distante das questões políticas e de suas consequências. Ou seja, ao menor gesto do primeiro salvador da pátria que apareça, surgem filas de apoio ao seu redor, algumas com argumentos financeiros sedutores. Robustas sinalizações de incentivo e colaboração e, quase sempre, já de olho no que esse gesto possa representar no chamado retorno, revestido de algumas cifras. Gusttavo Lima, que é inteligente, jovem, bilionário e com vasto conhecimento de como se comportam parcelas da comunidade do interior do país, pode ter nesse cenário o palco ideal para colocar em prática suas teorias populistas.

Parece haver uma esterilidade absoluta no meio político, escancarando ao país a dificuldade de se gerar quadros com reconhecida idoneidade, candidatos que inspirem o mínimo de credibilidade. A safra não é boa, há uma evidente carência de nomes para disputar a série A da eleição. É nesse detalhe que nascem candidaturas assim, içando ao debate político pessoas que sabidamente têm talento para determinadas funções, mas levam a sério devaneios que a mente conduz sem pedir licença.

 É claro e evidente que, ao pensar em se lançar candidato, a última coisa que se passa na cabeça do ídolo das multidões é como de que forma governar o país e dar a ele realizações que seu povo sairia beneficiado. Sem bagagem política, sem experiência administrativa, sem nenhuma referência que o credencie a formar uma equipe de governo com razoável credibilidade, seria cômico se não fosse trágico admitir tudo isso com alguma seriedade. Ele mesmo assina esse documento, já falando em churrascos semanais e declarando amor eterno a políticos cuja folha corrida está nos arquivos da Polícia Federal.

Tudo isso é muito lamentável e, ao que parece, ninguém se preocupa muito com o que a nossa história eleitoral deixará de legado para outras gerações. Já tivemos um presidente que se matou, outros que renunciaram ao mandato devido à corrupção, outros caçados pelos mesmos motivos, um outro que foi preso e lá se vão fatos e boatos sobre alguns deles longe de referências cinco estrelas. O último a deixar o poder espalhou a discórdia pelo país, intimidou segmentos sociais, negou a verdade da ciência e continua por aí arrastando correntes, na esperança de consolidar fatos que deixou inacabados. 

A nossa história registra até hoje 126 autoridades que ocuparam a cadeira de presidente da República. A maioria eleita pelo povo, outras impostas pelo regime da época ou obedecendo a trâmites políticos burocráticos. É muita história em jogo, muita tradição a ser zelada, muita responsabilidade a ser assumida. Quem se assume candidato para dirigir um país, antes de tudo, deveria fazer uma reflexão sobre o que isso representa. Fugir do espelho e, principalmente, de algumas vizinhanças estranhas, seria um bom começo. Ter ficha limpa na polícia também pode ajudar.

 

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postado em 05/02/2025 06:00
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