Opinião

Sobre Ísis, Musk e o deepfake

Só de pensar em 2026, sinto saudade do tempo em que a Ísis de Oliveira namorava o George Clooney

PRI-1710-DEEPFAKE -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-1710-DEEPFAKE - (crédito: Maurenilson Freire)

Talvez os mais antigos se lembrem de que, em 1998, a atriz e modelo Ísis de Oliveira espalhou para todo canto que namorava firme o ator de Hollywood George Clooney. Então com 44 anos, o intérprete de Batman e de Doug Ross, do seriado Plantão médico, arrancava suspiros com sua vasta cabeleira grisalha e, certamente, Ísis não era a única a fantasiar um caso com o galã. 

O problema é que ela levou a mentira a sério. Chamou jornalistas em casa, mostrou um pijama verde e uma escova de dentes, como prova irrefutável de que Clooney era um habitué. Dizem que, nas redações dos jornais cariocas, chegavam faxes supostamente enviados pelo ator, como declarações a Ísis em inglês. Até que um repórter checou a informação. George Clooney nunca havia ouvido falar da atriz brasileira, que confessou a uma revista semanal ter inventado a história.

Passados 27 anos, uma mulher de 61 anos, moradora de Ribeirão Preto (SP), pensou que estava namorando o magnata Elon Musk, agora integrante do governo Donald Trump. Incentivada supostamente pelo homem mais rico do mundo, cuja fortuna líquida é calculada em R$ 2,5 trilhões, a viúva e pensionista gastou R$ 35 mil em criptomoedas e cartões de crédito. 

Sob a condição de anonimato, a vítima deu entrevistas a programas de TV populares e, mesmo sabendo que caiu em um golpe, continua acreditando firmemente que o autor do estelionato é o próprio Musk. O motivo: "ele" fazia chamadas de vídeo e mostrava suas empresas para a namorada ribeirão-pretana. 

Se há quase três décadas Ísis de Oliveira só contava com uma escova de dente, um pijama e um punhado de fac-símiles como prova material do romance com George Clooney, o repertório do falso Elon Musk é muito mais amplo e realista. Hoje, qualquer pessoa com um smartphone consegue se fazer passar por quem quer que seja graças ao deepfake. A tecnologia baseada em inteligência artificial permite incorporar personagens em tempo real e, embora renda boas brincadeiras entre amigos, também é uma arma poderosíssima na mão de golpistas — sejam golpes financeiros ou antidemocráticos. 

As eleições presidenciais norte-americanas deram algumas mostras da falta que faz uma rígida regulamentação sobre o uso de IA. No começo do ano passado, eleitores democratas de New Hampshire receberam ligações de Barack Obama pedindo que não votassem nas primárias estaduais. Claro que não foi o ex-presidente que fez os telefonemas, mas muitos acreditaram, porque era, claramente, a voz dele do outro lado da linha. 

Zeve Sanderson, pesquisador do Centro de Mídia Social e Política da Universidade de Nova York, destacou em um artigo que a temida onda de deepfakes nas eleições não se concretizou, apesar dos prejuízos. No Brasil, onde já funcionou um "gabinete do ódio" para criar toda sorte de informação falsa, é possível que a marola venha em forma de tsunami.

Fake news não são "culpa" da inteligência artificial. Voltando ao tempo da República romana, o grande Orador Cícero já espalhava boatos contra os inimigos em folhetos manuscritos. Por aqui, D. Pedro I redigia com o próprio punho panfletos mentirosos publicados por jornais simpáticos ao Império. Evoluem os meios de comunicação, ampliam-se as possibilidades golpistas. 

Só de pensar em 2026, sinto saudade do tempo em que a Ísis de Oliveira namorava o George Clooney.

Paloma Oliveto
postado em 05/02/2025 06:00
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