VIOLÊNCIA

Torcidas organizadas cada vez mais próximas de facções criminosas

O primeiro ponto que precisa ser visto com atenção pela sociedade é de que as torcidas organizadas, que tornaram-se comuns nos estádios brasileiros a partir dos anos 1960 para apoiar os clubes e fortalecer vínculos culturais, viraram braços de facções. Estão cada vez mais dominadas pelo crime organizado

Confusão de torcidas organizadas antes do clássico Santa Cruz x Sport, no Recife, no sábado passado -  (crédito: Reprodução/Vídeo obtido no X (antigo Twitter))
Confusão de torcidas organizadas antes do clássico Santa Cruz x Sport, no Recife, no sábado passado - (crédito: Reprodução/Vídeo obtido no X (antigo Twitter))

É preciso voltar a falar de um assunto recorrente e negligenciado há anos pelo poder público: a violência das torcidas organizadas no futebol. A briga generalizada entre baderneiros ligados ao Sport e ao Santa Cruz, sábado passado no Recife, impressiona pelo estado de barbárie que pudemos ver nos vídeos que viralizaram nas redes sociais. Com mais de 3 milhões de visualizações no X (antigo Twitter), as cenas do empalamento de um homem chocam e remetem à tortura praticada na Idade Média e nos anos de chumbo de muitas ditaduras mundo afora.

"Como é possível isso? Imagens como essas não são normais. Acabaram com meu sábado", dizia, impressionada, a repórter Isabela Stanga, logo após assistir a vídeos para embasar a matéria produzida durante o plantão sobre a confusão. Os números divulgados pelas autoridades de segurança também assustam: 650 detidos, 13 feridos e três pessoas internadas em estado grave.

O primeiro ponto que precisa ser visto com atenção pela sociedade é de que as torcidas organizadas, que tornaram-se comuns nos estádios brasileiros a partir dos anos 1960 para apoiar os clubes e fortalecer vínculos culturais, viraram braços de facções. Estão cada vez mais dominadas pelo crime organizado.

Investigações policiais realizadas em diversas unidades da Federação indicam que muitas das torcidas organizadas são utilizadas para o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e recrutamento para o crime. Atualmente, o Brasil tem 88 facções criminosas ativas e boa parte delas está infiltrada nessas entidades. Símbolos utilizados como o "V", do Comando Vermelho (CV), e o gesto de três dedos associado ao Primeiro Comando da Capital (PCC), se tornaram códigos comuns entre esses "torcedores".

Não há dúvidas de que a sensação de impunidade contribui para a repetição de episódios violentos. Somente nos últimos 12 meses, tivemos casos chocantes como o ataque ao ônibus do Fortaleza, também no Recife, e a emboscada a torcedores do Cruzeiro por palmeirenses em uma rodovia em São Paulo. Na prática, poucos são efetivamente punidos com rigor. A morosidade da Justiça Desportiva e a ineficácia das sanções impostas aos clubes e às organizadas completam o pacote para a perpetuação do problema.

"Como resolver, então?", muitos perguntam. O primeiro ponto é a adoção de medidas rigorosas e eficazes. Os clubes precisam ser responsabilizados pela atuação das torcidas organizadas, afinal, muitas recebem ingressos e ajuda de custo dos cartolas para viagens a outros estados. A ação mais urgente, no entanto, é uma só: desmantelar a conexão com o crime organizado.

Sem isso, continuaremos a ver cenas que se repetem ano a ano, com famílias enlutadas, torcedores feridos e com o medo de assistir in loco a uma partida de futebol cada vez mais presente.

Roberto Fonseca
postado em 07/02/2025 06:00
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