Artigo

Mudanças radicais no mundo da pesquisa e da inovação

O grande desafio será garantir que essas inovações sejam utilizadas para expandir as fronteiras da ciência e da tecnologia de forma inclusiva, transparente e sustentável

Colaboração entre humanos e IA tem enorme potencial de ampliar a criatividade científica ao liberar os pesquisadores das limitações impostas por processos rotineiros -  (crédito: Caio Gomez)
Colaboração entre humanos e IA tem enorme potencial de ampliar a criatividade científica ao liberar os pesquisadores das limitações impostas por processos rotineiros - (crédito: Caio Gomez)

MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES — Pesquisador da Embrapa Agroenergia

A ciência tem sido um dos pilares fundamentais para o progresso da sociedade, promovendo avanços extraordinários que transformaram nossa compreensão do mundo e impulsionaram inovações em diversas dimensões, desde a saúde e a agricultura até a energia e a tecnologia da informação. Avanços no rigor metodológico e sofisticação em processos e instrumentação permitiram conquistas sem precedentes, de enorme impacto na qualidade de vida e no bem-estar da humanidade.

Apesar desses avanços, são claros os sinais de fadiga nos modelos tradicionais de pesquisa e inovação que, por muito tempo, foram sinônimo de sucesso.  Esse fenômeno se deve a uma combinação de fatores, sendo mais relevante o crescimento exponencial da complexidade em praticamente todos os campos da atuação humana. Problemas cada vez mais intrincados e interdependentes, envolvendo as dimensões social, ambiental, econômica e tecnológica desafiam a abordagem usualmente disciplinar e especializada da ciência convencional.

Reestruturar o paradigma científico que nos trouxe ao presente não é nada trivial, pois modelos consolidados criam zonas de conforto, onde conceitos, estruturas e práticas já testados oferecem segurança e previsibilidade. Alterar essa dinâmica exige também mudanças culturais profundas, que desafiam interesses estabelecidos e exigem novas formas de colaboração e integração entre disciplinas, cientistas e instituições.

A resistência a mudanças poderá, no entanto, ser vencida por alterações radicais na  forma de se produzir e integrar conhecimento. O recente e explosivo avanço da inteligência artificial (IA) já impacta de forma profunda o paradigma científico dominante, permitindo a combinação de vastas quantidades de dados, a sinergia entre métodos analíticos avançados e a colaboração interdisciplinar em escalas nunca antes imaginadas.

Modelos generativos, como o ChatGPT e os muitos sistemas que o seguiram, demonstram um potencial transformador na forma como o conhecimento científico é produzido e aplicado. Esses agentes são capazes de processar e analisar volumes massivos de dados com velocidade e precisão que superam largamente as capacidades humanas, permitindo identificar padrões, formular hipóteses e sugerir soluções inovadoras para problemas cada vez mais complexos.

Ao atuar como colaboradores na descoberta científica, esses modelos não apenas aceleram o ciclo de pesquisa e inovação, mas também ampliam o escopo das investigações, integrando conhecimentos de diferentes disciplinas. Essa nova dinâmica redefine o papel do cientista humano, que poderá se concentrar em tarefas de maior valor estratégico, como a formulação de perguntas, a interpretação crítica de resultados e a tomada de decisões éticas.

O fato é que a colaboração entre humanos e IA tem enorme potencial de ampliar a criatividade científica ao liberar os pesquisadores das limitações impostas por processos rotineiros, permitindo que se concentrem na exploração de novas fronteiras do conhecimento. Dessa forma, os modelos baseados em IA não substituem os cientistas, mas expandem seu papel, criando oportunidades inéditas para a inovação interdisciplinar e a resolução de desafios de crescente complexidade e relevância.

Um exemplo ilustrativo é o conceito de Laboratório Virtual, criado na Universidade de Stanford, EUA. Nele, agentes de IA treinados em diversas disciplinas, coordenados por pesquisadores humanos, dividem problemas complexos em tarefas gerenciáveis, criando um modelo inédito de pesquisa sistêmica.  Estratégia que desafia os paradigmas convencionais de geração de conhecimento, acelerando o desenvolvimento de soluções por meio de modelagem computacional e validação experimental.

Laboratórios Virtuais assim concebidos democratizam o acesso a ferramentas avançadas, capacitando equipes menores a competir com grandes centros de pesquisa.  Na China, a empresa DeepSeek lançou recentemente um modelo de IA de código aberto com  desempenho comparável a concorrentes ocidentais, mas a custos reduzidos. Esse avanço mostra que a revolução da IA não é privilégio de gigantes da tecnologia, mas pode ser impulsionada por ecossistemas abertos que podem acelerar descobertas e produzir impacto global.

Diante desse cenário, é essencial que organizações tradicionais de pesquisa se questionem sobre o futuro: como integrar agentes inteligentes sem perder o rigor científico? Quais processos devem ser repensados para permitir uma colaboração fluida entre humanos e IA? Quais habilidades e competências serão fundamentais para garantir a relevância institucional em um mundo em rápida transformação?

O fato é que vivemos um momento decisivo para a pesquisa científica e tecnológica, pois o que, até há pouco, considerávamos tendências já é realidade palpável. Agilidade e capacidade de adaptação é que determinará quem será protagonista nesse novo cenário. O grande desafio será garantir que essas inovações sejam utilizadas para expandir as fronteiras da ciência e da tecnologia de forma inclusiva, transparente e sustentável. 

 


Correio Braziliense
postado em 09/02/2025 06:00
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