
Guilherme Frizzera — Mestre em ciências em integração da América Latina pela USP, doutorado em relações internacionais pela UNB. Professor e coordenador do curso de relações Internacionais na Uninter; Raíssa de Paula Xavier — Bacharel em direito, advogada criminalista, professora/tutora na Uninter.
Em 1856, William Walker, um flibusteiro americano, autoproclamou-se presidente da Nicarágua após uma expedição militar não autorizada. Médico, advogado e jornalista, destacou-se por comandar incursões privadas na América Central. Com apoio de mercenários e interesses externos, tomou o poder, reintroduziu a escravidão e buscou moldar o país conforme interesses expansionistas dos EUA. Sua trajetória exemplifica o flibusteirismo, termo que designa indivíduos que intervêm em territórios estrangeiros para promover interesses próprios. Mas e se esse conceito ainda fosse atual? Seria Trump um flibusteiro dos interesses ocultos do poder real?
Trump propôs medidas que desafiam normas internacionais e direitos humanos. Entre elas, a transferência de cidadãos americanos condenados para prisões estrangeiras mediante compensação financeira e a realocação dos habitantes de Gaza para nações vizinhas, com os EUA assumindo o controle da região. Essas iniciativas reacendem um histórico de políticas unilaterais que ignoram soberania e autodeterminação dos povos.
Além da violação dos direitos fundamentais dos presos, direitos estes que permanecem e devem ser garantidos durante o cumprimento da pena, violam-se outros dispositivos. No sistema de execução penal norte-americano, a pena não é supervisionada pelo Poder Judiciário, mas, sim, guiada por um modelo administrativo, cuja participação do Judiciário se impõe apenas em situações de violações constitucionais. Ou seja, em havendo qualquer tipo de violação de direitos fundamentais, de tortura, penas indevidas, não haveria fiscalização por meio do órgão fiscalizador competente. Ao abdicar do dever de julgar e punir os próprios cidadãos, os Estados Unidos rebaixariam sua credibilidade como modelo jurídico e abriram precedentes para a instrumentalização da justiça penal como ferramenta de barganha diplomática.
Contudo, não é de hoje que Donald Trump adota políticas questionáveis e que não demonstram qualquer preocupação com o cumprimento da lei e a garantia de direitos. A ideia de deslocar forçosamente a população de Gaza constitui uma violação direta do direito à autodeterminação dos povos, princípio basilar do direito internacional. A realocação compulsória de populações tem precedentes históricos sombrios, associados a crises humanitárias e impactos sociais de longo prazo. Na lógica trumpista, a solução para problemas complexos passa por um redesenho geopolítico arbitrário, ignorando as raízes dos conflitos e os direitos daqueles diretamente afetados. Em sua ideologia, somente ele teria a solução correta para os problemas mundiais, mostrando, mais uma vez, a visão centralizadora que os Estados Unidos têm de si mesmo.
Se Walker não agiu sozinho, tampouco Trump age. O flibusteiro do século 19 contou com apoio de interesses comerciais e expansionistas, assim como Trump é impulsionado pelos verdadeiros donos do poder: magnatas da tecnologia como Elon Musk e Mark Zuckerberg. Seu populismo e ataques às instituições não são apenas traços pessoais, mas servem aos que controlam a economia digital e a infraestrutura da informação. O poder tradicional migrou para grandes conglomerados tecnológicos, tornando Trump um agente útil, desviando a atenção das forças que realmente remodelam o mundo.
A comparação com Walker vai além da disposição de ambos em ignorar normas internacionais. Assim como Walker expandiu a influência americana por meio de intervenções diretas, Trump busca reconfigurar territórios conforme interesses específicos, projetando crises internas para fora. A instabilidade política, o descontentamento social e a criação de inimigos externos transformam a política expansionista em válvula de escape. Como Walker explorou fragilidades externas para consolidar poder, Trump usa crises domésticas para justificar medidas radicais fora das fronteiras.
Flibusteiros seguem um ciclo previsível: exploram fragilidades, convencem aliados temporários e, quando a realidade se impõe, são descartados. Walker teve apoio de setores nicaraguenses que, ao perceberem que seu flibusteirismo só o beneficiava, deixaram-no à própria sorte. Trump e seus parceiros que vendem ilusões talvez descubram o mesmo: a história não protege aventureiros por muito tempo. No final das contas, o legado desses flibusteiros será, como sempre, uma história de ilusões desfeitas e ambições fracassadas.