Opinião

Lei do Mar: o compromisso com o oceano e o clima é agora

A implementação da Lei do Mar representa uma oportunidade decisiva para que o Brasil assuma um papel de liderança global na proteção do oceano e, por consequência, da nossa vida

Ipanema (RJ): legislação atual aplicável ao sistema costeiro-marinho brasileiro é fragmentada e setorial -  (crédito: Tania Rego/Agencia Brasil)
Ipanema (RJ): legislação atual aplicável ao sistema costeiro-marinho brasileiro é fragmentada e setorial - (crédito: Tania Rego/Agencia Brasil)

Ronaldo Christofoletti — Professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN)

As novas ondas de calor neste verão, com temperaturas chegando a 44ºC no Rio de Janeiro e batendo recordes com 37ºC em São Paulo — ambas com sensações térmicas ainda maiores —, entre outras cidades do Brasil, reforçam que os efeitos do aquecimento global há muito deixaram de ser uma preocupação para o futuro. Temos sinais cada vez mais claros de que é necessário agir agora. Ainda assim, o oceano, principal regulador do clima global, segue sem o devido protagonismo nas políticas ambientais. Prova disso é que, há mais de uma década, o projeto que cria a Lei do Mar (PL 6.969/2013), que visa promover o uso sustentável de recursos e ecossistemas marinhos, assim como garantir a conservação da biodiversidade e compensar impactos negativos da atividade humana no bioma, está em tramitação no Congresso Nacional. 

O Brasil é detentor de uma das maiores extensões litorâneas do mundo, com uma costa de mais de 8 mil quilômetros, que abrange 443 municípios litorâneos e abriga 111,28 milhões de pessoas a uma distância de 150 quilômetros do litoral — o equivalente a 54,8% da população brasileira, segundo o Censo 2022. No entanto, as mudanças das condições oceano-climáticas vão além das regiões costeiras e impactam diretamente todo o continente — melhor ainda, todos os continentes. São fenômenos como ciclones, ressacas, inundações, variações de temperatura, estiagens severas, chuvas intensas. Os efeitos da regulação climática afetam atividades essenciais, como agricultura, pecuária e o abastecimento dos reservatórios naturais, impactando a balança econômica e também influenciando a nossa saúde.

O oceano tem múltiplas fontes de impactos, mas é nas mudanças climáticas que encontra uma das principais ameaças. O aquecimento das águas, a acidificação e o branqueamento dos corais são algumas das consequências desse desequilíbrio. Nunca antes se registrou um aquecimento tão elevado no oceano, impulsionado principalmente pelo acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera. Enquanto nos últimos 40 anos a temperatura média do oceano aumentou cerca de 0,6°C, em apenas um ano, entre 2023 e 2024, esse aumento foi de 0,3°C a 0,4°C, um padrão sem precedentes na história.

Portanto, não é possível mais adiar a tramitação da Lei do Mar, que institui a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar), um marco normativo que visa orientar e integrar políticas públicas voltadas à proteção, ao uso e à conservação dos mares, alinhando-as aos princípios do desenvolvimento sustentável e adaptação aos impactos da mudança do clima. Trata-se de um avanço na governança, uma vez que a legislação atualmente aplicável ao sistema costeiro-marinho brasileiro é fragmentada e setorial, gerando conflitos entre ministérios e planos de ação. A proposta busca superar esses desafios ao estabelecer uma abordagem ecossistêmica e integrada para a gestão do oceano e seus recursos no Brasil.

Nesse sentido, destaca-se o Planejamento Espacial Marinho (PEM), uma estratégia que organiza as atividades humanas no mar, buscando equilibrar o desenvolvimento econômico com a conservação ambiental, a exemplo do que já ocorre com sucesso em países como Canadá e Austrália. Complementar a esse processo, a criação do Fundo Azul surge como um mecanismo importante para financiar atividades voltadas à conservação e ao uso sustentável dos recursos marinhos e costeiros. A proposta visa apoiar iniciativas que promovam a proteção de ecossistemas fundamentais, como manguezais, recifes de corais, lagoas costeiras e a plataforma continental, além de incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis para a exploração dos recursos marinhos.

No contexto climático e na relação oceano-clima, os manguezais, por exemplo, desempenham papel estratégico no sequestro de carbono (CO2). O Brasil conta com mais de 1,3 milhão de hectares de manguezais, que armazenam 1,9 bilhão de toneladas de CO2, com potencial de gerar até R$ 48,9 bilhões no mercado voluntário de crédito de carbono, de acordo com o estudo Oceano sem mistérios: carbono azul dos manguezais, realizado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e pelo projeto Cazul. Já os recifes de corais protegem a costa contra os impactos das mudanças climáticas, reduzindo a energia das ondas, tempestades e inundações, evitando danos equivalentes a R$ 160 bilhões. 

A proposta da Lei do Mar de setorizar menos e integrar mais também convida alinhar as iniciativas para o oceano às agendas internacionais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Década do Oceano da ONU (Organização das Nações Unidas), além de abrir espaço para a participação da sociedade civil no processo decisório. A zona costeira, com sua diversidade de ecossistemas, culturas tradicionais, grandes centros urbanos e atividades econômicas que contribuem com 19% do PIB, demanda uma abordagem integrada que considere suas especificidades e garanta a participação ativa das comunidades locais e de todos os setores na tomada de decisões, sempre com foco na sustentabilidade e na equidade. 

A implementação da Lei do Mar representa uma oportunidade decisiva para que o Brasil assuma um papel de liderança global na proteção do oceano e, por consequência, da nossa vida, avançando de forma eficaz no enfrentamento dos desafios impostos pelas mudanças climáticas. A hora de agir é agora.

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postado em 13/03/2025 06:00
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