
Para além do seu potencial artístico e de entretenimento, o audiovisual, a partir de filmes e séries, tem como premissa o relevo de pautas urgentes para a sociedade. A importância das produções está justamente no seu diálogo com a realidade que vivenciamos, discutindo passado, presente e até o futuro.
Campeã de audiência da Netflix neste ano, a minissérie britânica Adolescência traz à tona uma pauta de urgente discussão em nosso espaço social. A produção evidencia o assassinato de uma adolescente pelo seu colega de escola, Jamie Miller, de apenas 13 anos. A trama não se concentra na tentativa de descobrir o autor do crime, apresentado no primeiro episódio. O enredo se desenvolve a partir do motivo que levou o adolescente a cometer o feminicídio.
O ponto principal discutido pela minissérie gira em torno do potencial destruidor que a internet tem quando mal utilizada, sobretudo por pessoas em período de formação da ética e dos valores, como os adolescentes. Em um mundo cada vez mais conectado, famílias, escolas e demais instâncias sociais têm a obrigação de acompanhar o que os jovens consomem na palma da mão.
O problema não se resume mais à deep web, camada restrita da internet, não acessada por navegadores convencionais, onde pessoas de todas as idades, mas principalmente jovens, mantêm subculturas pautadas por ódio, misoginia, racismo, antissemitismo e até mesmo a defesa escancarada do neonazismo.
A partir da flexibilidade dos termos de uso das redes sociais, essas subculturas ocupam cada vez mais espaços nunca antes habitados por elas. E essa expansão dos tentáculos da deep web captura os vulneráveis a esse tipo de linguagem, quase sempre muito direta e simplória, usando o humor como gatilho para atrair adolescentes conectados.
Não é difícil citar exemplos. Desde que foi adquirido por Elon Musk, o X (antigo Twitter) se tornou campo fértil para núcleos virtuais pautados pelo ódio. A rede social hoje exibe conteúdos segregadores de todo tipo, diante da defesa da alegada "liberdade de expressão". Problema semelhante acontece na rede social chinesa TikTok. Na prática, ambas funcionam com algoritmos bem definidos, que apresentam ao consumidor conteúdos com maior potencial de engajamento.
Assim, é muito mais eficiente, pela ótica da audiência e do lucro, apresentar um conteúdo polêmico, que leve ao like ou ao compartilhamento. Com o passar do tempo, o usuário passa a conviver em bolhas sociais, entendendo aquele espaço como extensão e representação do mundo real. Nesse contexto, o famoso meme entra como peça-chave para apresentar a crianças e adolescentes, por exemplo, pensamentos misóginos de toda forma.
A saída para o problema passa por uma linha tênue e bastante desafiadora para pais, comunidade escolar e autoridades. Todos têm a responsabilidade de intervir nesse processo, ainda que haja a essencial necessidade de assegurar privacidade a esses jovens, principalmente aqueles na fase da puberdade. O diálogo sobre os direitos humanos se faz necessário em qualquer idade.
Independentemente do algoritmo das redes sociais — que também devem ser responsabilizadas nesse processo, como se prevê na revisão do Marco Civil da Internet pelo STF —, crianças e adolescentes bem educados quanto à obrigação de respeitar as diferenças tendem a ser uma presa mais difícil para as subculturas citadas.