
Marcello Averbug — consultor econômico e economista aposentado do BNDES
Desde a década de 1980, o perfil de distribuição de renda nos Estados Unidos vem sofrendo processo de concentração — visível mediante o distanciamento entre os padrões de vida das camadas sociais extremas.
De acordo com o World Inequality Database, em 1980 o 1% mais rico da população detinha 10,7% da renda nacional e os 50% mais pobres, 20,1%. Em 2022 o top 1% passou a deter 18,9% e os 50% menos favorecidos, 13,1%. No caso dos 10% mais ricos, durante o citado período, a participação no bolo total subiu de 34,2 % para 45,6%. O único acontecimento favorável nessa esfera é a redução do índice de pobreza de 26% para 10% entre 1967 e 2023, mas essa cifra ainda é superior à verificada na Europa Ocidental.
Embora não impeça satisfatório desempenho da economia americana, a presente desigualdade provoca taxas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) inferiores às que seriam obtidas se o cenário fosse menos concentrador. Isso porque as exportações totais representam apenas 7,7% do PIB e, portanto, o fator fundamental à prosperidade econômica do país é o mercado interno. Se houvesse incremento do poder aquisitivo das famílias menos agraciadas, o mercado seria ampliado.
Em outras palavras: crescimento econômico não garante melhor equidade, porém melhor equidade favorece o crescimento da economia. Por outro lado, o contraste social acentuado eleva entre as classes não privilegiadas a receptividade a políticos populistas, incompetentes e autoritários.
Dado esse panorama, o objetivo básico da sociedade americana deveria ser atenuar a concentração social de renda. Evidentemente, questões como inflação, desemprego e dívida pública requerem cuidado, mas o tema da equidade atua como pano de fundo do cenário nacional. Assim, torna-se oportuno observar a atitude do novo presidente, e do seu Partido Republicano, em relação a esse aspecto obscuro dos Estados Unidos.
Observando as decisões assumidas pelo ocupante da Casa Branca, com apoio do seu partido, percebe-se total indiferença ante a disparidade social e suas implicações sobre a economia.
Todas as medidas anunciadas resultam em impacto desfavorável às camadas de menor renda, tais como: a) cortes em programas federais de assistência social e médica; b) desmantelamento de regulações protetoras do consumidor; c) aumento de tarifas sobre importações, o que vai gerar salto inflacionário prejudicial sobretudo aos empregados de baixos salários; d) perda pelos governos estaduais de recursos ao provimento de cuidado médico aos pobres.
Por outro lado, vem sendo anunciada a intenção de diminuir impostos sobre os ricos e as grandes corporações.
Também é evidente a insensibilidade pelos que padecem de raquíticos meios de sustento em vários cantos do planeta. Por exemplo: a retirada dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS) e a paralisação das atividades da Assistência Internacional ao Desenvolvimento (Usaid) e de outros mecanismos de ajuda humanitária internacional. Essa medida inviabiliza projetos essenciais de saúde pública, alimentação, saneamento etc. executados em países carentes da África, América Latina e de outros continentes.
Mesmo se for temporária, a interrupção na assistência humanitária custará vidas e causará irreparáveis danos a programas indispensáveis à sobrevivência de vasto número de seres humanos. Em certas partes dos países assistidos, os únicos prestadores de serviços dessa natureza são os financiados pelo Usaid.
Sob a ótica da política internacional, o presidente americano está abrindo espaços ao aumento de influência da China nos países não desenvolvidos. E a retomada desses espaços será difícil, pois tais países perderam confiança na estabilidade do apoio dos EUA e, ademais, a China possui maior flexibilidade institucional e financeira para executar seus programas no exterior.
São fartos os motivos de preocupação ante o absoluto desconhecimento do governante americano sobre as consequências econômicas e políticas da inequidade social reinante dos EUA e, também, da pobreza verificável em inúmeras partes do mundo. Esse desconhecimento representa um retrocesso em termos de interpretação dos interesses de uma sociedade moderna, além de conspirar contra o futuro dos Estados Unidos e do mundo.
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