
Um dos conceitos mais cultuados da sociologia contemporânea é o "mundo líquido", definido pelo autor polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). Para ele, as mudanças pelas quais a sociedade passou desde 1960, sobretudo a partir do surgimento da tecnologia, após a Segunda Guerra Mundial, fragilizaram as relações sociais. Dessa maneira, o vínculo entre as pessoas se debilitou a partir, por exemplo, do maior peso dado ao consumo e às inovações, como o smartphone.
Quem viveu a infância ou parte da vida adulta na era analógica, quando o mundo líquido de Bauman já existia, porém em menor proporção, consegue facilmente perceber como os laços sociais se enfraqueceram nas últimas duas décadas. Nesse contexto, é cada vez mais comum o aparecimento de personalidades que se pautam quase que exclusivamente pelo mundo digital, uma inversão de paradigma curiosa e desafiadora para a humanidade. Uma das ilustrações mais incontestáveis desse fenômeno são os influencers.
A busca da ampliação do seu poder de consumo, ou até mesmo em troca da simples repercussão, representada por curtidas, compartilhamentos e comentários, leva a episódios surreais, como o registrado na Índia, nos últimos dias. Autoridades do país prenderam Mykhailo Viktorovych Polyakov, de 24 anos, jovem nascido nos EUA que navegou até a Ilha Sentinela do Norte, no Oceano Índico, para entregar uma lata de refrigerante a um grupo de indígenas isolados.
Em troca da reverberação em seu mundo líquido, Polyakov colocou em risco os indígenas isolados e a si mesmo. Justamente por não manter contato com o "mundo exterior" e não adquirirem anticorpos ao longo de suas vidas, esses povos são completamente vulneráveis a doenças do homem urbano. Por isso e por outros motivos, rejeitam qualquer contato externo.
A postura de Polyakov vai na contramão do que fazem instituições como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas(Funai), no Brasil. Aqui, o órgão indigenista se desdobra para proteger as dezenas de povos isolados que vivem na Amazônia. Um dos trabalhos captura imagens dos isolados que vivem nos arredores do Rio Massaco, em Rondônia, nas proximidades da fronteira do Brasil com a Bolívia.
Os registros inéditos, recentemente divulgados, foram feitos por uma espécie de "armadilha fotográfica", uma câmera instalada na área habitada por esse povo isolado. E o objetivo desse monitoramento está muito longe de obter likes. A ideia é conhecer um pouco mais sobre o comportamento desses indígenas para protegê-los do crime organizado, como responsáveis pela extração irregular de madeira e pelo garimpo ilegal na floresta.
Uma estratégia do projeto chama a atenção. Junto da câmera, a fundação deixou ferramentas importantes para o cotidiano dos isolados, como facões e machados, com o intuito de facilitar a caça e a coleta, os afastando do mundo exterior. Acontece que, diante das mudanças ambientais, os indígenas podem buscar contato para conseguir acesso a materiais como esses. A ideia não garante sucesso na proteção desses povos, mas se trata de uma iniciativa válida.
Em um mundo no qual a proteção ambiental precisa ter cada vez mais prioridade na ordem do dia, está claro que a sociedade precisa muito mais da Funai do que do influencer Mykhailo Viktorovych Polyakov.