
André Gustavo Stumpf — jornalista
Donald Trump não é um político tradicional. Ele frequenta a categoria dos homens corajosos porque desconhecem os problemas que o cercam. São os destemidos ignorantes. Ele avançou e chegou a preocupar o mundo das finanças quando as letras do Tesouro dos Estados Unidos começaram a ser vendidas em grandes quantidades e os compradores começaram a exigir juros mais elevados. Isso significa, na linguagem de quem lida com o assunto, que a confiança tinha acabado. Ao mesmo tempo, verificou-se grande quantidade de ordens de compra de títulos do governo alemão. As bolsas despencaram, e o previsível caos se anunciava no final da jornada. Diante da catástrofe iminente, Trump recuou. Limitou sua guerra a um alvo: a China.
Seu recuo de 90 dias, três meses, concede um prazo razoável para o mundo entender melhor aonde o presidente dos Estados Unidos quer chegar. A sua proposta de substituição de importações, velha política latino-americana sugerida pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), parece fora do tempo. As indústrias norte-americanas que migraram para a China também se modernizaram no país que as recebeu. Os trabalhadores foram substituídos por robôs. Se a política de Trump tiver algum resultado positivo, nos próximos anos será representada por nova geração de robôs que vão trabalhar em fábricas norte-americanas. Mas nada disso acontecerá no curto prazo, nem dentro de um mandato presidencial de quatro anos.
O mundo conseguiu um prazo para respirar. Os europeus, que já tinham decidido retaliar na mesma proporção do agravo, resolveram aguardar 90 dias. A maioria dos países se contentou com esse novo prazo e passou a assistir de arquibancada à luta entre os dois gigantes do comércio mundial. Os chineses jogam xadrez. Responderam vendendo 50 bilhões de dólares em títulos do Tesouro norte-americano, o que provocou a desvalorização do papel e quebrou a confiança internacional naquele investimento. Os americanos acusaram o golpe e recuaram imediatamente. Mas taxaram os produtos chineses em absurdos 145%.
Guerras tarifárias não costumam consagrar vencedores ou vencidos. Costumam dar motivos para guerras de verdade, tiros e bombas para todos os lados. As últimas duas guerras mundiais estão repletas de exemplos de tributação excessiva que degenerou em conflito bélico. A condenação da Alemanha a pagar vultosas multas após a primeira guerra resultou na indignação do país, na consequente preparação bélica que desaguou no conflito que produziu mais de 50 milhões de mortos.
A irracionalidade dos dirigentes políticos não é recente, nem original. As pessoas suspeitavam que os novos e mais eficientes meios de comunicação produziriam melhores líderes, mais bem informados. Não é verdade. Trump é um legítimo representante do pensamento dos anos 30 do século passado. Além disso, ele é contra a educação nos Estados Unidos — persegue estudantes que façam crítica ao governo norte-americano e a Israel —, expulsa migrantes sem qualquer critério, nem julgamento. Coloca gente de outro país em prisão em El Salvador, a troco de um generoso pagamento. Ataca o Judiciário, não respeita as leis, além de ter traído a confiança de grandes eleitores, que contribuíram com milhões de dólares para sua campanha. Destruiu a aliança ocidental e quebrou o cristal da confiança que o governo de Washington inspirava no mundo. Demitiu milhares de funcionários públicos.
Um espanto. Trump é uma espécie de Nero moderno, com sua pinta de galã dos anos 30, sem qualquer verniz intelectual. O Brasil, com exceção de umas poucas empresas grandes estabelecidas em várias partes do mundo, está protegido das loucuras do homem forte do Norte por ser pequeno e não pertencer a nenhum bloco que possa ser severamente penalizado. Talvez haja algum embaraço na reunião do Brics, quando deverá ser realizado algum tipo de desagravo em relação à China. Mas, o histórico subdesenvolvimento nos protege, porque não há muito o que discutir com o Brasil, que mantém a balança comercial deficitária com os Estados Unidos. Recebeu uma taxa recíproca básica de 10%, mas poderá se beneficiar no eventual aumento de comércio com a China e outros países asiáticos. Até os europeus já admitem a possibilidade de ratificar o acordo Mercosul-União Europeia.
Mas ninguém duvida de que Trump é um personagem da mídia. Ele adora frequentar as manchetes de jornal, estar diante dos holofotes de televisão. Faz qualquer negócio para aparecer sempre. Ele prometeu acabar com a guerra da Ucrânia e com o conflito entre Israel e palestinos. Tudo em uma semana. Não acabou nem com uma nem com outra guerra. Mas apareceu nos jornais do mundo inteiro.