Opinião

Visão do Correio: Em fase decisiva contra a chikungunya

O aval da Anvisa para a aplicação da vacina contra a chikungunya no Brasil tende a pavimentar uma nova fase no enfrentamento a uma doença que já se mostra um grande desafio sanitário em várias regiões do país

Instituto Butantan finaliza, agora, uma versão nacional da vacina liberada  -  (crédito: Divulgação/Governo de São Paulo)
Instituto Butantan finaliza, agora, uma versão nacional da vacina liberada - (crédito: Divulgação/Governo de São Paulo)

O aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a aplicação da vacina contra a chikungunya no Brasil tende a pavimentar uma nova fase no enfrentamento a uma doença que já se mostra um grande desafio sanitário em várias regiões do país. Há ainda novas etapas a serem vencidas até que a fórmula desenvolvida pelo Instituto Butantan e a farmacêutica franco-austríaca Valneva chegue, de fato, ao braço dos brasileiros. Mas é certo que ampliar as medidas de prevenção — hoje restritas basicamente ao controle do Aedes aegypti — pode desacelerar uma enfermidade com características epidemiológicas e clínicas suficientes para desencadear graves crises de saúde pública.

Dados oficiais disponíveis mostram como o vírus CHIKV tem avançado no país. Da primeira à 49ª semana epidemiológica de 2023, finalizada em 15 de dezembro, o Ministério da Saúde registrou 153.064 casos prováveis de  chikungunya. No ano seguinte, até o fim de agosto, já tinham sido contabilizados 254.095 casos — 66% a mais do que praticamente todo o ano anterior. De janeiro a março de 2025, há 56.443 notificações, sendo a maioria nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, sobretudo nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Peculiaridades do vírus estão contribuindo para essa disseminação acelerada. Comparado aos da dengue, o CHIKV tem maior período de viremia, quando se multiplica nos infectados e pode ser transmitido pelo mosquito. São 12 dias em média, contra seis. Sua transmissão no Brasil se dá principalmente em áreas urbanas, mas há o temor de que, com o aumento dos casos, instale-se um ciclo silvestre da chikungunya, tendo os macacos como reservatórios do vírus. Nessas condições, será praticamente inviável a erradicação da doença no país, alertam especialistas.

Tal cenário demanda, entre outros desafios, investimento em uma estrutura de suporte aos infectados de longo prazo. A chikungunya tem sintomas semelhantes aos da dengue, acrescidos de dores articulares intensas e incapacitantes, além de complicações cardíacas e cerebrais. Ao Correio, o sanitarista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Jonas Brant alertou que, apesar de as doenças terem o mesmo vetor, a chikungunya exige um plano de contingência diferente. "É preciso acionar outros mecanismos do Estado. Um dos desafios é estruturar redes de fisioterapia e de reumatologia imensas, e  não as temos", exemplificou. 

Os impactos econômicos são ainda maiores, considerando que o afastamento de profissionais para tratamento tende a ser prolongado. Estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) estima que os 38.830 casos de chikungunya registrados no estado em 2019 resultaram em um custo total de R$ 279,8 milhões, sendo 97% deles indiretos, ligados principalmente à perda de produtividade ou à incapacidade causada pelas dores nas articulações. Mais da metade dos pacientes, 52%, evoluiu para a fase crônica, com a permanência dos sintomas ultrapassando o período de três meses e, portanto, mais dispendiosa.

A pandemia da covid-19 mostrou ao país e ao mundo o quanto é onerosa — do ponto de vista financeiro e humano — uma infecção virulenta e de evolução perigosa. Respeitados todos os trâmites regulatórios previstos, incluindo a finalização de uma versão nacional da vacina da chikungunya, é essencial que a fórmula esteja disponível aos brasileiros imediatamente. Tão imprescindível quanto é o trabalho de educação em saúde focado na adesão à nova estratégia protetiva. 

 


Por Opinião
postado em 15/04/2025 06:00
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