
A Polícia Federal (PF) intimou, ontem, dois depoimentos de nomes importantes ligados à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), braço do governo federal responsável por coletar e analisar dados informacionais para assessorar a Presidência da República nas tomadas de decisão. Na mira da PF, estão o atual diretor-geral da entidade, Luiz Fernando Corrêa; e o ex-diretor adjunto da agência, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), Alessandro Moretti.
Os dois foram arrolados na investigação que apura um suposto esquema de espionagem ilegal de desafetos de Bolsonaro, quando o líder da direita ainda estava na Presidência da República. Ao mesmo tempo, a convocação de Luiz Fernando Corrêa sugere que a atual gestão da Abin, sob responsabilidade de Luiz Inácio Lula da Silva, também tem esclarecimentos a prestar à PF, sobretudo após reportagem do Uol mostrar que o Brasil se infiltrou, até maio de 2023, em sites do governo paraguaio com objetivo de barganhar melhores preços pela energia gerada em Itaipu — que tem sua produção dividida entre os países desde sua construção, nos anos de 1980.
O monitoramento feito pela Abin contra desafetos do governo e contra outro país da América do Sul, caso confirmado pela investigação da PF, remonta os manuais autoritários mantidos pela ditadura entre 1964 e 1985, quando opositores eram ininterruptamente vigiados pelo regime militar. Com um adendo: o avanço da tecnologia permite, hoje, um acompanhamento infinitamente mais detalhado, principalmente a partir do cruzamento de dados com outras interfaces internas e externas à Abin.
Esse passado ajuda explicar o peso que o Brasil, como Estado Democrático de Direito, precisa dar às suspeitas que pairam sobre a Abin, na gestão atual de Luiz Fernando Corrêa e, principalmente, na administração passada, sob liderança do delegado e atual deputado federal Alexandre Ramagem, réu pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
A investigação da PF aponta que a vigilância clandestina da Abin de Ramagem acompanhava não só opositores do governo, mas também jornalistas críticos da gestão. Uma clara afronta à democracia brasileira.
A gravidade dos fatos aliada à história autoritária da política brasileira obrigam o país a dar uma resposta séria a essas suspeitas, de maneira célere, mas, também, responsável e equilibrada, respeitando a Constituição.
Além das oitivas, a PF tem outras perguntas a serem respondidas nessa investigação. O monitoramento irregular, se realmente existiu, continua em operação? Quem sabia da sua existência e autorizou sua instalação? Quanto, em dinheiro público, foi gasto para financiar o sistema?
A seriedade dada a essa investigação precisa ser a mesma dos julgamentos dos réus dos atos de 8 de Janeiro. O Brasil precisa, mais uma vez, olhar para a sua história para não cometer os mesmos erros do passado.