
ROBERVAL BELINATI, desembargador, 1º vice-presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e o Distrito Federal (DF), representados pelo presidente, desembargador Waldir Leôncio Júnior, e pela governadora em exercício, Celina Leão, formalizaram, nesta quarta-feira (2/7), um acordo de cooperação técnica. Esse acordo redefine o tratamento dos conflitos fundiários coletivos que afetam populações vulneráveis em nossas áreas urbanas e rurais. A meta é clara: promover soluções pacíficas com profundo respeito à dignidade humana.
Por que esse acordo é tão importante? Historicamente, despejos e reintegrações de posse, embora atos judiciais, frequentemente geravam traumas sociais severos. Famílias inteiras eram removidas sem alternativas adequadas, causando rupturas comunitárias e exclusão. Essa realidade nos impôs buscar caminhos mais humanos para a aplicação da lei.
O acordo surge nesse contexto de sensibilidade e responsabilidade social, inspirado em balizas legais, como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828 do Supremo Tribunal Federal (STF) e a Resolução 510/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ambas reforçam que ações estatais que impactam a moradia coletiva devem considerar a complexidade social, priorizando o diálogo e soluções consensuais antes da remoção. Não se trata de paralisar a justiça, mas de humanizá-la.
Para concretizar esse compromisso, o TJDFT instituiu a Comissão Regional de Soluções Fundiárias (CRSF). Essa comissão multidisciplinar, composta por servidores, magistrados e representantes da sociedade civil, atua como um espaço de escuta ativa, diálogo construtivo e proposição de alternativas viáveis.
A CRSF pode ser acionada em caso de conflito fundiário. Suas atribuições incluem: visitas técnicas detalhadas, conversas diretas com ocupantes e lideranças e a elaboração de planos de ação minuciosos para cumprimento pacífico de decisões judiciais. O foco é sempre buscar medidas alternativas à remoção forçada, priorizando a mediação e conciliação.
Ao lado do Judiciário, o Distrito Federal assume um papel crucial. Cabe ao DF, por meio de seus órgãos, participar ativamente das atividades da CRSF, com representantes que tenham poder de gerenciar e transacionar durante as negociações.
O DF se compromete a garantir o cadastramento detalhado das famílias ocupantes e a identificação de seu perfil socioeconômico. Essa medida é vital para soluções personalizadas e eficazes. A partir desse diagnóstico, o DF assegurará a inclusão dessas famílias em políticas públicas habitacionais e de assistência social. O objetivo é proteger seus direitos básicos e evitar o desamparo social.
Um ponto central e inovador é a adoção de medidas concretas para a realocação das famílias quando a remoção for inevitável. O DF se compromete a indicar locais adequados para reassentamento, promover acompanhamento social contínuo (via Conselho Tutelar e serviços públicos de assistência) e garantir que nenhuma família seja deixada à margem dos programas de apoio. Isso solidifica a responsabilidade estatal em oferecer uma rede de proteção.
Esse arranjo interinstitucional é mais que uma formalidade jurídica. É a materialização de um novo paradigma na administração da justiça e na gestão de políticas públicas. Nele, o Estado age com responsabilidade, sensibilidade e escuta ativa. Ao priorizar a mediação e evitar medidas traumáticas e desumanas, damos passos decisivos na construção de uma justiça mais humana e acessível.
O acordo tem vigência inicial de cinco anos, prorrogável, o que nos dá um horizonte robusto para consolidar essa metodologia. É vital destacar que a iniciativa não envolve transferência financeira entre as partes; cada instituição arca com as próprias despesas, reforçando o caráter técnico e colaborativo. A fiscalização será conjunta e transparente. Todas as ações respeitarão a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e os códigos de ética, assegurando integridade e confiança.
Como 1º Vice-Presidente do TJDFT, afirmo que esse acordo reflete os valores essenciais do Judiciário: legalidade com humanidade, técnica com sensibilidade e direito com justiça social. Essa proposta pioneira coloca o Distrito Federal como uma referência nacional no tratamento de conflitos fundiários, inspirando outros a adotar modelos semelhantes.
Conflitos fundiários não são só disputas legais; são questões humanas complexas que exigem soluções humanas. E é com dignidade que devemos tratar cada pessoa, comunidade e história impactada.