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Negritude em todos os espaços

Projeto propõe incluir personalidades negras nas novas emissões de cédulas e moedas brasileiras, rompendo com a lógica que apagou rostos e trajetórias negras do imaginário nacional

pri-3006-eixocapital Eixo Capital Mulheres negras -  (crédito: Caio Gomez)
pri-3006-eixocapital Eixo Capital Mulheres negras - (crédito: Caio Gomez)

Denise Pessôadeputada federal (PT-RS) e presidenta da Comissão de Cultura da Câmara

O Brasil ainda não reconhece, como deveria, a centralidade da população negra na construção da sua história, da sua economia e da sua cultura. Foi com o trabalho das nossas mãos, com a fé que nos sustentou, com a inteligência que sempre tivemos e com a arte, que moldamos a identidade deste país e que ajudamos a construir o Brasil. Mas, mesmo sendo parte fundamental dessa história, ainda enfrentamos obstáculos para ocupar os espaços de poder, decisão e memória que nos são de direito.

É por isso que ações que visam reparar essa ausência histórica são tão importantes. Uma delas está hoje em análise no Congresso Nacional: o projeto que propõe incluir personalidades negras nas novas emissões de cédulas e moedas brasileiras. Aprovado na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, a proposta valoriza mulheres negras que se destacaram na luta pela emancipação feminina e contra o racismo.

Mais do que uma homenagem, essa iniciativa rompe com a lógica que, por séculos, apagou rostos e trajetórias negras do imaginário nacional. Ter mulheres negras representadas nas cédulas é reconhecer que fizemos e seguimos fazendo o Brasil com trabalho, com cultura e com resistência. Esse reconhecimento precisa estar em todos os espaços para reafirmar nossa identidade.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, atualmente vemos essa reafirmação em muitos territórios: nos terreiros, nos quilombos, nas lutas e na fé. Conforme o Censo de 2022, somos o estado com a maior proporção de praticantes de religiões de matriz africana do país: 3,2% da população. Ainda assim, convivemos com o racismo religioso. No último 13 de junho, data dedicada a Bará, orixá dos caminhos, a imagem dele foi vandalizada no Centro Histórico de Porto Alegre, onde havia sido assentada com reverência.

A sensação, ao perceber que o racismo persiste de formas tão diversas, é de cansaço diante das violências que se repetem diariamente. Por isso, o enfrentamento precisa ser permanente, e não pontual. Sou filha de um pedreiro e líder comunitário e de uma professora. Cresci em uma comunidade marcada por lutas por moradia e por educação. É dessa raiz de resistência que venho. Hoje, como primeira mulher negra eleita por Caxias do Sul e pela Serra Gaúcha e uma das primeiras do nosso estado, carrego comigo o sonho, a luta e a força de milhares de brasileiras e brasileiros que acreditam que a política precisa de novos rostos e histórias.

Ser antirracista não é apenas condenar o ódio: é garantir a dignidade. Não basta não ser racista. É preciso ser antirracista. É assegurar que a juventude negra tenha direito à vida, que os terreiros sejam respeitados, os quilombos titulados, as mulheres negras protegidas. É garantir que a história afro-brasileira seja ensinada, valorizada e sustentada por políticas públicas e orçamento.

Nosso mandato atua com firmeza nesse compromisso. Propomos a reeducação obrigatória de agressores racistas e o acolhimento às vítimas. Também trabalhamos para que a discriminação, por origem regional, seja reconhecida como crime de racismo, porque o preconceito também atinge nordestinos e outros povos invisibilizados por parte da sociedade.

Além da atuação legislativa, destinamos recursos que fortalecem as lutas negras no território. Foram R$ 600 mil para formar lideranças de terreiro com apoio do Ministério da Igualdade Racial e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; R$ 800 mil para a economia solidária da Cooperativa Ajeumbó e da Associação São Jerônimo; R$ 400 mil para a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola e R$ 200 mil para o projeto Rotas Negras das Terras Gaúchas, em São Sepé.

A negritude precisa ser reconhecida como parte viva, potente e central do Brasil. Seja nas moedas que circulam pelas mãos do povo, seja nas escolas, na saúde, na cultura ou na fé. Para isso, a luta antirracista precisa ser estruturante: com políticas, com orçamento, com acesso, com reparação histórica.

Nosso objetivo é que o povo negro esteja onde quiser estar: nas universidades, nas bibliotecas, nos espaços de decisão, no Congresso Nacional. A negritude pulsa no coração do Brasil. Vive na palavra, no batuque, no gesto, na solidariedade, na construção do futuro. É por ela que sigo: com firmeza, com ação e com amor aos nossos ancestrais.

 

Por Opinião
postado em 05/07/2025 06:00
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