ARTIGO

O preço da falta de escolha: barreiras à autonomia reprodutiva impactam a economia

Fazer com que as pessoas tenham o poder de decidir se, quando e quantos filhos/filhas desejam ter é mais do que liberdade. É uma decisão estratégica

Pesquisa mostra que uma em cada cinco pessoas acredita que não conseguirá atingir o número de filhos/filhas desejado -  (crédito: Reprodução/Freepik)
Pesquisa mostra que uma em cada cinco pessoas acredita que não conseguirá atingir o número de filhos/filhas desejado - (crédito: Reprodução/Freepik)

FLORBELA FERNANDES, representante do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil e diretora de país para o Uruguai e Paraguai

No Brasil, como em muitos países, as taxas de fecundidade têm caído em ritmo acelerado. Os impactos desse fenômeno levantam alertas diversos, como o envelhecimento populacional e a redução no ritmo de crescimento demográfico. Em muitos contextos, fala-se da diminuição da população e de uma provável crise ocasionada por essa razão. No entanto, dados recentes do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa) sugerem que a questão vai além do número de nascimentos. No centro do debate, está a falta de condições para que as pessoas possam formar as famílias que desejam. 

Os dados sobre fecundidade do Censo 2022, recentemente divulgados pelo IBGE, confirmam a tendência de declínio, apresentando uma taxa de fecundidade total de 1,5 nascimento por mulher, a menor já registrada nacionalmente. Para que um país mantenha a sua população, sem crescer ou diminuir, a taxa de reposição é de 2,10 nascimentos tidos por mulher ao final da vida. Em relação ao Censo de 2010, os dados também revelam o aumento da proporção das mulheres entre 50 e 59 sem filhos/filhas. 

Em 2025, o Dia Mundial da População — 11 de julho — será celebrado pelo Unfpa com uma reflexão sobre o empoderamento das pessoas jovens para formar as famílias que desejam, em um mundo justo e esperançoso. A juventude e a autonomia reprodutiva são centrais para o desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, o novo relatório Situação da População Mundial 2025 (SWOP), intitulado A verdadeira crise de fecundidade: a busca pela autonomia reprodutiva em um mundo em transformação, amplia essa discussão ao mostrar que, para milhões, o desafio não é querer menos filhos/filhas, mas não conseguir formar a família desejada por falta de condições básicas, apoio institucional e segurança econômica.

Pesquisa realizada em 14 países (entre eles, o Brasil), considerando uma amostra de cerca de 14 mil pessoas, revelou que uma em cada cinco pessoas acredita que não conseguirá atingir o número de filhos/filhas desejado. Mais de 50% mencionam o custo de vida, a moradia e a insegurança no emprego como barreiras. No Brasil, desigualdades e precariedade habitacional agravam o cenário. Um estudo recente mostrou que pessoas jovens com acesso a crédito habitacional têm 32% mais chances de ter filhos/filhas, um dado que reforça como a estrutura e o apoio influenciam as escolhas reprodutivas.

Não faltam pessoas que queiram formar uma família. Falta um ambiente propício: moradia acessível, trabalho decente, saúde reprodutiva, políticas de cuidado e reconhecimento de diferentes arranjos familiares. Esses fatores são essenciais não só para a liberdade individual, mas também para o futuro econômico do país. O Brasil vive o fim de uma janela demográfica favorável, e a proporção de idosos cresce. Criar condições para que pessoas jovens possam exercer sua autonomia reprodutiva será fundamental para sustentar o crescimento econômico.

Quando as estruturas falham com as famílias, todos perdem. A falta de escolha reprodutiva leva ao aumento da solidão, adiamento da formação de famílias, mais gestações não intencionais, desequilíbrio demográfico e perda de dinamismo econômico. Mulheres enfrentam os maiores dilemas, sobrecarregadas com cuidados não remunerados e ainda responsabilizadas pela queda da fecundidade.

Investir em infraestrutura para a autonomia reprodutiva fortalece direitos humanos e gera resiliência econômica. Garantir escolhas livres, informadas e viáveis deve ser prioridade em qualquer estratégia de desenvolvimento.

Neste 11 de Julho, o Unfpa, como agência das Nações Unidas especializada em saúde sexual e reprodutiva, reitera a importância de escutar as juventudes. Elas sabem o que querem e de que precisam. Fazer com que as pessoas tenham o poder de decidir se, quando e quantos filhos/filhas desejam ter é mais do que liberdade. É uma decisão estratégica. O preço da omissão não é apenas humano. É também econômico. E está ficando alto demais para seguir sendo ignorado.

 

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Por Opinião
postado em 11/07/2025 06:00
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