
Rodrigo Leite — professor de finanças e controle gerencial do Coppead/UFRJ
Ato 1 — As motivações de Trump. A taxação das exportações brasileiras pelos Estados Unidos surpreendeu a muitos, mas, para quem acompanha de perto a política americana, a medida se encaixa claramente em uma estratégia do presidente norte-americano: desviar o foco das crises internas e alimentar uma narrativa de perseguição a si mesmo e a aliados políticos conservadores, como o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Trump vinha sendo pressionado pela própria base após prometer, de forma enfática, a divulgação completa dos documentos relacionados ao notório criminoso sexual Jeffrey Epstein. No entanto, nas últimas semanas, o governo recuou: passou a negar o acesso integral aos autos da investigação, enquanto a procuradora-geral dos Estados Unidos e o diretor do FBI afirmaram publicamente que Epstein teria agido sozinho e que sua morte foi, de fato, um suicídio. A declaração caiu como uma bomba entre os apoiadores mais fiéis de Trump, muitos dos quais acreditam em teorias que envolvem figuras da elite norte-americana nos crimes atribuídos a Epstein.
A mudança de postura pode ter sido motivada pela revelação, nesta semana, de uma carta comprometedora escrita por Trump a Jeffrey Epstein em 2003, cujo conteúdo veio à tona após o Wall Street Journal entrar em contato com o governo para comentário. A resposta do presidente norte-americano seguiu o roteiro usual: atacou a imprensa e culpou governos anteriores por uma suposta perseguição política. Nesse contexto, sua tentativa de vincular o ex-presidente Jair Bolsonaro a uma narrativa semelhante parece fazer parte de uma estratégia mais ampla — a de apresentar-se como mais um líder conservador perseguido pela mídia e pelo Judiciário. Portanto, a aplicação de uma tarifa de 50% ao Brasil parece ser mais motivada pela criação de uma narrativa interna, enquanto desvia o foco do caso Epstein, do que uma medida visando ao protecionismo econômico.
Ato 2 — Os efeitos no Brasil. O principal efeito do "tarifaço" imposto por Donald Trump ao Brasil, neste primeiro momento, foi fortalecer politicamente o governo Lula, que vinha em queda de popularidade. A medida teve forte repercussão nacional e despertou um sentimento de solidariedade em parte do eleitorado, beneficiando a imagem do presidente. Ao se apresentar como alvo de uma injustiça promovida por uma potência estrangeira, Lula conseguiu, ainda que de forma pontual, reunir diferentes setores políticos em torno de uma pauta nacionalista, criando uma rara oportunidade de reposicionamento político.
Duas pesquisas de opinião recentes mostraram um leve aumento na aprovação do governo e melhora nas projeções para 2026. Embora o avanço não tenha sido expressivo, há sinais de recuperação entre eleitores que haviam se afastado após os dois primeiros anos de mandato. O desempenho de Lula melhorou no Sudeste, região crucial para sua viabilidade eleitoral, e houve uma retomada do apoio na classe média. Assim, a narrativa de confronto com os EUA pode reforçar sua imagem como defensor dos interesses nacionais.
Mesmo que os indicadores não avancem muito nas próximas semanas, "estancar a sangria" na popularidade já é considerado um ganho estratégico. Além disso, interromper o declínio melhora o ambiente para avançar em agendas no Congresso, onde a base governista enfrenta problemas importantes para a sua reeleição em 2026.
Ato 3 — O que vem pela frente? Um recuo de Trump parece improvável, já que a tarifa contra o Brasil parece ter motivação política, e não econômica, como em disputas anteriores com China e México. Uma retaliação direta do governo brasileiro, como taxar importações dos EUA, poderia piorar a inflação e o desemprego. Por isso, medidas alternativas, como suspensões de royalties ou patentes, são mais prováveis como resposta estratégica.
Economistas já projetam um impacto negativo de 0,2% no PIB brasileiro, além de uma possível reversão da tendência de queda da inflação, puxada pela desvalorização do real, que voltou a superar R$ 5,50. Esses efeitos podem anular o ganho de popularidade recente de Lula após o tarifaço, caso os prejuízos econômicos cheguem ao bolso da população.
Empresas como Embraer, Fras-le, Randon, Tupy e WEG, que exportam produtos de alto valor agregado para os EUA, já sentem os efeitos no mercado acionário e devem ser ainda mais impactadas, caso as tarifas entrem em vigor em agosto. Ao contrário das exportadoras de commodities, essas companhias têm mais dificuldade para encontrar mercados alternativos, e a adaptação pode levar anos.