ARTIGO

Zoneamento inclusivo no PDOT: potencial e limites para enfrentar o deficit habitacional

As lições são claras: o zoneamento inclusivo não pode atuar isoladamente, mas vinculado a uma política habitacional ativa, com critérios técnicos, incentivos calibrados e capacidade de regulação pública

Cidade precisa de estratégias para induzir a produção de moradia acessível, evitando as ocupações irregulares.  -  (crédito:  Davi Cruz/CB/DA Press)
Cidade precisa de estratégias para induzir a produção de moradia acessível, evitando as ocupações irregulares. - (crédito: Davi Cruz/CB/DA Press)

» IVELISE LONGHI, Arquiteta e diretora executiva de Desenvolvimento Urbano do Codese DF, foi vice-governadora do Distrito Federal

O Distrito Federal enfrenta, há décadas, um dos grandes paradoxos urbanos do país: tem um dos maiores PIBs per capita, mas convive com um grave deficit habitacional, que atinge especialmente as famílias de baixa renda. Apesar dos programas habitacionais implementados e dos esforços do poder público, os resultados ainda estão aquém do necessário. O crescimento de ocupações irregulares, loteamentos clandestinos e formas precárias de urbanização revelam que há entraves estruturais que precisam ser enfrentados com mais profundidade. Seria o custo da terra urbanizada o principal obstáculo? Ou a fragmentação institucional entre políticas e programas, somada à falta de planejamento articulado?

Temos alertado que é preciso investigar com rigor técnico as causas dessa ineficácia. Compreender as raízes do problema é parte essencial da construção de soluções consistentes. O Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), atualmente em revisão, propõe estratégias importantes para conter o espraiamento urbano e promover o uso mais eficiente do solo. Entre elas, destaca-se o zoneamento inclusivo — instrumento urbanístico pensado para induzir a produção de moradia acessível para todos em áreas bem localizadas, com infraestrutura e transporte público. O objetivo é claro: promover a inclusão socioespacial e combater a segregação urbana.

Para que as diretrizes do PDOT se concretizem, é indispensável atualizar a legislação de provimento habitacional, com vistas a garantir flexibilidade normativa, articulação intersetorial e diversidade de soluções. É fundamental regulamentar novas modalidades de oferta de moradia, reconhecendo a habitação como um serviço público e incorporando formas mais participativas de produção habitacional.

Nesse processo, a participação da iniciativa privada é decisiva. A produção habitacional em escala requer o engajamento do mercado, desde que inserido em um ambiente regulatório estável, com incentivos equilibrados e segurança jurídica. Cabe ao poder público criar as condições para que investir em inclusão urbana seja também uma oportunidade viável. Instrumentos como outorga onerosa diferenciada, aproveitamento de áreas subutilizadas e agilidade na aprovação de projetos podem alinhar o interesse social à lógica econômica, beneficiando toda a sociedade.

O zoneamento inclusivo não deve ser introduzido como imposição, mas como um indutor positivo, que combine contrapartidas com benefícios urbanísticos e fiscais. Esse equilíbrio é essencial para garantir a viabilidade dos projetos.

No Brasil, a experiência de São Paulo, pioneira com as chamadas Cotas de Solidariedade no Plano Diretor de 2014, ilustra bem os desafios da implementação. Passados quase 10 anos, a maior parte dos incorporadores optou por pagar a compensação financeira, esvaziando o objetivo original. Estudos do LabCidade (FAU/USP) apontam que o instrumento enfrentou aumento de custos, insegurança jurídica, falta de governança sobre a alocação das moradias e pouca articulação com a política habitacional. O resultado foi uma baixa produção de habitação social nas áreas visadas, revelando que, sem incentivos claros, regulação eficaz e integração com o planejamento urbano, o zoneamento inclusivo tende a ser capturado pela lógica do mercado e perder sua potência transformadora.

As lições são claras: o zoneamento inclusivo não pode atuar isoladamente, mas vinculado a uma política habitacional ativa, com critérios técnicos, incentivos calibrados e capacidade de regulação pública. Para funcionar de fato, deve se basear em diagnósticos atualizados e pactuação social, evitando definições genéricas ou rígidas. Precisa estar articulado ao Plano Distrital de Habitação de Interesse Social (Plandhis)  e às diretrizes de mobilidade e infraestrutura. Os percentuais obrigatórios devem ser definidos com base na viabilidade econômica e técnica. E qualquer adensamento deve estar condicionado à capacidade real da infraestrutura urbana.

O caminho para cidades mais inclusivas e sustentáveis no Distrito Federal passa, necessariamente, por revisões legislativas embasadas, que promovam pluralidade de soluções, responsabilidade social e liberdade de escolha. Mais do que um conceito, o zoneamento inclusivo precisa se tornar realidade concreta — que una Estado, sociedade e mercado em torno do direito à cidade.

 

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postado em 28/07/2025 04:46
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