
» Jessika Moreira, Diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente
» Cristina Castellan, Diretora de Lideranças da Fundação Lemann
A presença das mulheres na liderança das empresas é uma questão de representatividade e justiça e determinante para o desempenho organizacional, impulsionando a inovação e qualificando a tomada de decisão. No contexto das estatais, essa pauta ganha mais relevância: companhias públicas e sociedades de economia mista têm como missão atender ao interesse público. Assim como na administração direta — ministérios, secretarias e órgãos do Executivo Federal —, esses espaços apresentam obstáculos ao acesso, ascensão e permanência de mulheres em posições de liderança.
A diferença entre homens e mulheres aumenta à medida que se sobe na hierarquia dos cargos. Em 2023, apenas 27% dos postos de alta liderança na administração pública federal eram ocupados por mulheres, segundo estudo do Movimento Pessoas à Frente. Promover a diversidade nas instâncias decisórias garante que essas estruturas respondam melhor à sociedade. Quando diferentes perspectivas e trajetórias estão representadas, as decisões tendem a ser mais equilibradas, inovadoras e conectadas às demandas da população. Trata-se de justiça e equidade, além do fortalecimento da governança e da legitimidade das instituições públicas.
Pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper (Neri), a pedido da Fundação Lemann, evidencia que mais mulheres e pessoas negras em posições de liderança no setor público beneficiam a sociedade. Em comparação com homens, mulheres tendem a investir mais em bens como saúde e educação e a reduzir a desigualdade na educação, por exemplo. E a opinião pública concorda: estudo do Datafolha encomendado pelo Movimento Pessoas à Frente, em 2023, mostrou que 90% dos brasileiros acreditam que mais mulheres tornariam o serviço público melhor.
O Banco do Brasil é um exemplo de sucesso. Sob a gestão de uma mulher negra, Taciana Medeiros, o percentual de mulheres no Conselho de Administração do banco passou de 10% para 50%. Essa maior representatividade foi acompanhada de melhores resultados, com um aumento de 76% no valor das ações do banco no acumulado em 2023. Em 2024, o Banco do Brasil obteve um lucro líquido ajustado recorde, de R$ 37,9 bilhões.
Dados internacionais também confirmam os benefícios. Um estudo da Moody's de 2020 concluiu, que, entre as empresas europeias que tinham melhores notas de crédito, havia mais mulheres em seus conselhos e diretorias executivas. Nesse contexto, o PL 1.245/2012 alinha o Brasil a uma tendência internacional. Na Noruega, em 2002, apenas 2% dos assentos nos conselhos corporativos eram ocupados por mulheres. Após a adoção de uma cota obrigatória de 40% em 2007, o percentual feminino chegou a 42% em 2016, segundo a Harvard Law School.
A transformação do PL 1.246/2021 em lei nacional no dia 23 de julho representa um marco histórico para garantir mais representatividade nas estatais no Brasil. A nova legislação estabelece que empresas públicas e sociedades de economia mista com controle da União, estados ou municípios reservem no mínimo 30% das vagas em seus conselhos de administração para mulheres, sendo 30% desse percentual exclusivamente para mulheres negras.
O PL é de autoria da deputada Tabata Amaral (PSB-SP), e o resultado vem de uma mobilização da sociedade civil por meio do Movimento Pessoas à Frente, Grupo Mulheres do Brasil e Mulheres no Mercado. A lei incentiva que a iniciativa privada também siga esse mesmo caminho.
Cabe destacar que a avaliação por mérito técnico é uma exigência prevista pela Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), ou seja, a profissionalização da gestão pública é uma exigência legal, independentemente do perfil dos candidatos. Durante a votação do PL 1.246 no Senado, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) lembrou que a proposta trata da inclusão das mulheres nesses conselhos e que é fundamental exigir a qualificação no serviço público, mas que isso vale para todos.
Políticas afirmativas não representam uma ameaça à competência técnica, mas, sim, uma necessidade para ampliar a entrada de profissionais qualificados que historicamente foram excluídos desses espaços.
Estamos diante de um marco histórico de aprimoramento das organizações, tornando-as mais inclusivas e conectadas com a realidade brasileira. Essa iniciativa está diretamente ligada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), em especial o ODS 5, com foco na igualdade entre homens e mulheres, o ODS 10, que busca reduzir desigualdades, e o ODS 16, que pretende promover sociedades pacíficas e inclusivas. É justiça social, eficiência e boa governança para garantir um país mais justo e desenvolvido para todas as pessoas.