ARTIGO

O desafio da diplomacia brasileira e a mineração

Os minerais críticos e estratégicos, principalmente as terras raras, emergem como uma nova moeda de poder e como um trunfo para o governo brasileiro

PRI-2707-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2707-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

» RAUL JUNGMANN, ex-ministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pública e atual diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram); e GENERAL FERNANDO AZEVEDO SILVA, ex-ministro da Defesa e atual vice-presidente do Ibram

A mudança geopolítica em curso no mundo, em grande parte determinada pelo contexto da transição energética, abriu um ciclo de desordem mundial, de desfecho e prazos imprevisíveis, com impacto inédito nos padrões comerciais e de efeito reversivo da globalização.

A polarização ideológica, por décadas neutralizada pelos pactos pós-guerras do século 20, voltou a registrar uma temperatura mercurial após o reposicionamento dos Estados Unidos nas relações comerciais com o resto do mundo, em uma versão atualizada da guerra fria.

Desde sua posse, a administração Trump adotou uma postura de confrontação e de uso estratégico de tarifas e sanções como instrumentos de pressão política, não mais restritos às questões econômicas tradicionais, mas voltados para a imposição de uma nova lógica de alinhamento ideológico e geopolítico. 

Essa estratégia visa consolidar uma frente unificada contra a China, que mantém sua liderança no setor de minerais estratégicos, especialmente as terras raras, essenciais para a transição energética e para a tecnologia de ponta.

O Brasil, para surpresa não só nacional, mas de todo o planeta, foi o país mais duramente atingido por essa nova política externa americana — não apenas com tarifas de 50% para todos os seus produtos importados pelos Estados Unidos, mas com exigências que ultrapassam a fronteira da nossa soberania.

Nesse contexto, nossa diplomacia historicamente marcada pela neutralidade, pelo pragmatismo e pelo multilateralismo, parece impelida a viver a passagem para uma nova realidade, pressionada a escolher lados — na mão inversa daquela construída pela escola de Rio Branco, reconhecida em todo o mundo.

Com essa política atravessamos séculos, mas agora a queda de braço ideológica entre extremos leva o presidente de uma das maiores potências mundiais a intervir em defesa de um ex-presidente réu no Brasil, em julgamento pela Suprema Corte de seu país. Mais que isso, a pressionar para que adotemos a ruptura comercial com países com os quais mantemos relações estratégicas. 

Tal guinada na política comercial americana exemplifica essa mudança de paradigma. A postura invasiva e protecionista dos Estados Unidos revela também fragilidade e não esconde a estratégia de garantir o acesso a minerais críticos — como lítio, cobalto, níquel, terras raras e outros insumos essenciais para a produção de tecnologias limpas, veículos elétricos, energias renováveis e eletrônica de ponta. 

Essa, portanto, não é apenas uma questão econômica, mas também de segurança geopolítica, na medida em que visa a liderança tecnológica e a redução da dependência de fornecedores considerados estratégicos. É nesse contexto, que os minerais críticos e estratégicos, principalmente as terras raras, emergem como uma nova moeda de poder e como um trunfo para o governo brasileiro, dada a emergência americana na cruzada para resgatar a dianteira alcançada pela China, que detém as maiores reservas desses minerais, assim como o processamento e refino das terras raras.

O Brasil, como segunda maior reserva mundial de terras raras, com 22 milhões de toneladas, além de ser um dos cinco maiores atores mundiais no universo mineral, tem o grande desafio de posicionar-se nessa disputa global que determinará a nova ordem econômica mundial.

Para o Brasil, isso significa atuar com maior habilidade diplomática, dosando negociação com afirmação de soberania, como vem fazendo, buscando espaços de diálogo e cooperação, ao mesmo tempo em que protege seus recursos e interesses estratégicos e fortalecendo sua presença em cadeias globais de valor.

Além disso, é imprescindível a consolidação da Política Nacional de Minerais, anunciada pelo governo ainda para este ano, que contemple incentivo à pesquisa, ampliação do mapeamento e o desenvolvimento de tecnologias próprias para a exploração, processamento e uso de minerais estratégicos, reduzindo nossa vulnerabilidade frente às disputas internacionais.

Está posto que a transição energética, além de prioridade global, não pode ser vista apenas como uma oportunidade econômica, mas também como um momento de reflexão sobre a soberania e a autonomia dos países.

Assim, devemos atuar de forma integrada, articulando ações de política externa, de inovação tecnológica e de fortalecimento do setor mineral, para que possamos não apenas participar dessa nova disputa, mas também exercer a liderança a que estamos destinados, de forma responsável e sustentável.

 

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Por Opinião
postado em 27/07/2025 04:59 / atualizado em 27/07/2025 15:01
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