
Preta está livre. Não que não fosse. Mas, agora, é livre em outra dimensão. Grandiosa, é pura luz. Está segura, resguardada, viva na memória, mas brilha como nunca, como sempre. Ela, que cantou, encantou, decantou, depurou tanta coisa, agora descansou. Verbos no passado, no entanto, não dão conta do legado, da presença, da força que ainda paira por aqui, como vimos na despedida. Preta é e será sempre. Tanta inspiração, coragem, ativismo, talento. Mulher de mil faces e, ousaria dizer, mil corações. Como cabia tanta gente? Como entregar amor para tantos? Quanta palavra bonita foi dita sobre ela. Poucas pessoas no mundo deixam um inventário dessa envergadura.
Correndo enorme risco de soar repetitiva, falo ainda dela porque não há outra importância maior do que homenageá-la. Arrisco dizer que, neste Brasil moderno e atual, nunca ninguém rasgou tantos preconceitos nem ergueu tantas bandeiras como Preta Gil. Ela podia ter simplesmente se lançado à vida, ao mundo, sem qualquer compromisso público. Era direito dela. Porém, preferiu ser advogada de todos os demais, sobretudo dos oprimidos com tantas violências. Nunca se calou, sobretudo porque sentiu todo tipo de preconceito na pele.
Preta se rebelou. Elevou sua voz contra a gordofobia, o racismo, o fascismo, o machismo e a misoginia, o capacitismo, injustiças de qualquer tipo; foi incansável a favor da população LGBT. Mais do que tudo, falou sobre e mostrou despudoradamente o câncer, seu tratamento, seu sofrimento, todas as implicações de uma doença tão estigmatizada. Os médicos viram crescer como nunca os exames preventivos. Preta comemorou cada vitória, se cercou de gente amiga, renovou as esperanças muitas vezes. Isso é de uma importância fenomenal e salva vidas, muitas vidas.
Partiu com todas as bênçãos; presumo que em silêncio, baixinho, segura em muitas mãos e abraços. Como disse Amora Mautner, sua amiga desde a infância, Preta é Sol; Preta é Vida; Preta é Amor. As maiúsculas são por minha conta porque Preta é puro suco de grandeza; é superlativa. Por isso mesmo, imortal. O amor sobrevive a tudo.
Me lembro da música-manifesto Vá se benzer, em que diz: “Eu sou eu, diz aí quem é você”. É um convite a todos nós. Diz aí quem você é? Eu sou Ana. Sou a Ana de Ariel, Gabriel, Helena e Liz. Sou das minhas irmãs, dos meus pais eternos. Dos meus amigos. Sou do meu tempo e também das minhas memórias e afetos guardados. Sou do meu Nordeste e também de Brasília. Sou das minhas ideias, mesmo das ruins. Sou, afinal, do time Preta, esta que fez valer tanto a vida. Amar a vida e o semelhante sem distinção, todo dia, todo o sempre. Como disse Gilberto Gil: “Onde houver alegria e amor, haverá Preta”. Viva Preta Gil!