
RICARDO LEÃES — professor da ESPM e pesquisador de Relações Internacionais
Donald Trump incluiu o Brasil entre os alvos de sua guerra tarifária. Após ameaçar a imposição de uma tarifa alfandegária de 60% sobre todas as mercadorias brasileiras, Trump recalibrou seu tarifaço: a partir de 6 de agosto, os produtos brasileiros pagarão uma taxa de 50% para estar à disposição dos consumidores estadunidenses. Entretanto, nessa ordem executiva, consta uma longa lista de itens que não deverão ser taxados, como aviões, combustíveis, minérios, fertilizantes, celulose, suco e polpa de laranjas etc.
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A incorporação do Brasil no tarifaço de Trump imediatamente demanda de analistas e formadores de políticas públicas a capacidade de realizar uma análise concreta da situação concreta, a fim de entender suas reais motivações e avaliar quais são as possibilidades de remanejo diante do atual contexto. Sem essa apreciação, fatalmente incorreremos no risco de prejuízos ao país: quem erra no diagnóstico erra na ação.
Com esse intuito, cabe ressaltar, em primeiro lugar, que a guerra tarifária de Donald Trump não é com o Brasil, mas com o mundo. Ainda durante a campanha eleitoral, o republicano afirmou que "tarifas" eram a palavra mais bonita do dicionário, mais bonitas do que "amor" — mas menos do que "religião". Já se delineava, portanto, um caminho em que a imposição de tarifas majoradas seria o expediente de Trump para atingir três objetivos interligados: i) a diminuição do deficit comercial estadunidense; ii) a reversão do processo de desindustrialização dos Estados Unidos; e iii) a atração de investimentos de empresas interessadas em seguir vendendo nos EUA.
À luz desses propósitos, nota-se que, por critérios técnicos, o Brasil não deveria ser afetado pelo tarifaço de Trump. Diferentemente de vários países, nosso país tem deficit comercial com os Estados Unidos e não é um dos responsáveis pela desindustrialização estadunidense. Ademais, em que pese setores industriais, como aviação civil, calçados, armamentos, autopeças e celulose tenham nos EUA um destino relevante, parece improvável que Trump os veja como um caminho para que seu país supere a guerra tecnológica em curso com a China.
Com efeito, na carta em que justificou a elevação de tarifas contra o Brasil, Trump fez duras críticas ao sistema judiciário brasileiro, acusado de perseguir o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ademais, Trump afirmou que reverteria essa decisão caso Bolsonaro tivesse seus direitos políticos restabelecidos, em clara afronta à soberania nacional. Observem, então, que o caso brasileiro nesse sentido é único, uma vez que a guerra tarifária por aqui obedece a uma lógica política e não econômico-comercial.
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Esse esclarecimento é imprescindível para compreender o porquê da aparente resistência do governo brasileiro em estabelecer negociações formais para solucionar a questão. Enquanto outros países estão tratando bilateralmente com os Estados Unidos apenas temas comerciais, o Brasil tem de lidar com uma tentativa de assalto à sua soberania, um ponto em relação ao qual nenhum chefe de Estado deveria transigir.
Nesse sentido, a posição do governo brasileiro parece acertada em observar que Donald Trump tende a negociar sempre em posição de força, buscando se aproveitar das fragilidades de seu interlocutor para fazer valer seus interesses. Portanto, quando o Brasil sinaliza que está disposto a incorrer nos prejuízos imediatos da elevação tarifária, fica patente para o presidente estadunidense que nosso país não aceitará ser vítima de bullying.
Ademais, reitera-se que já está no passado a época de predomínio absoluto dos Estados Unidos em termos econômicos e comerciais. Cada vez mais, o centro dinâmico do comércio mundial tem se deslocado para a Ásia-Pacífico, com inconteste protagonismo chinês. Essa situação dá ao Brasil condição de correr riscos de perda de mercado nos EUA pela ciência de que existem alternativas — quiçá até melhores para salvaguardar nossos interesses.
Salienta-se, por fim, que Donald Trump elegeu-se com uma plataforma de combate à inflação e ao crescente custo de vida. Durante a campanha, Trump culpou Joe Biden pela deterioração do padrão de vida do trabalhador médio em seu país, narrativa que ganhou tração eleitoral. Entretanto, o tarifaço de Trump terá como desdobramento inescapável um repique inflacionário nos Estados Unidos, dada sua dependência de mercadorias do exterior.
Cabe ao Brasil, portanto, manter-se ciente da primazia da soberania nacional diante do acossamento de Trump. Buscar boas relações com os Estados Unidos deve ser sempre um objetivo de um presidente brasileiro, mas esse propósito torna-se vão quando há tentativas de violação da nossa soberania.
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