ARTIGO

Saneamento e crise climática: a urgência da adaptação no Brasil

A infraestrutura de saneamento resiliente pode ser a diferença entre comunidades que prosperam e aquelas que sucumbem aos impactos climáticos

PRI-2508-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2508-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

» ANA PAULA M. RODRIGUES, Organizadora da II Conferência Internacional sobre Recursos Hídricos e Saneamento na América Latina e presidente do Instituto de Cooperação Internacional para o Meio Ambiente

» SERGIO ANTÔNIO GONÇALVES, Engenheiro civil e diretor executivo da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (AESBE

O Brasil vive um momento decisivo na história do saneamento básico nacional. As mudanças climáticas não são mais uma ameaça distante, mas uma realidade que exige respostas imediatas e estruturais do setor de saneamento. Eventos climáticos extremos têm causado impactos devastadores nos sistemas de saneamento em todo o país. Secas prolongadas comprometem o abastecimento de água, enquanto enchentes sobrecarregam redes de esgoto e contaminam mananciais.

O saneamento básico é pilar essencial para a sobrevivência e saúde da população. A infraestrutura de saneamento resiliente pode ser a diferença entre comunidades que prosperam e aquelas que sucumbem aos impactos climáticos. O saneamento não é apenas uma questão de saúde pública e ambiental, mas também de sobrevivência civilizacional.

O Marco Legal do Saneamento, atualizado em 2020, representa um avanço significativo, mas sua implementação deve considerar as novas realidades climáticas. Não basta universalizar os serviços, é preciso universalizá-los com resiliência. Isso significa projetar sistemas que não apenas funcionem em condições normais, mas mantenham sua operacionalidade mesmo diante de eventos climáticos extremos.

Investimentos em tecnologias adaptativas são fundamentais. Sistemas de captação de água de chuva, redes de distribuição redundantes, estações de tratamento modulares e infraestruturas verdes devem ser incorporados aos projetos.

Inovação tecnológica é outro aspecto crucial. É preciso investir em soluções que permitam operar com maior eficiência hídrica, reduzir perdas, aproveitar fontes alternativas de água, tratar e dar destino a efluentes de forma mais sustentável. A digitalização dos sistemas, o uso de inteligência artificial para otimização operacional e a implementação de sensores para monitoramento em tempo real são investimentos que se pagam rapidamente em termos de resiliência e eficiência.

Paralelo a isso, os recursos governamentais previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) precisam ser direcionados tanto para expansão e reposição quanto para adaptação climática.

Mas o setor de saneamento não pode enfrentar os desafios climáticos isoladamente. É necessária uma articulação efetiva entre empresas estaduais, municipais, iniciativa privada, academia e sociedade civil. Nesse contexto, a II Conferência Internacional sobre Recursos Hídricos e Saneamento na América Latina (II Cirsol), que será realizada entre 26 e 29 em Brasília, emerge como oportunidade fundamental para o intercâmbio de experiências e fortalecimento da cooperação.

Com mais de 50 painéis de discussão que tangenciam os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), envolvendo cerca de 200 especialistas e autoridades, o evento representa um momento único para o compartilhamento de estratégias de adaptação climática no setor, a troca de conhecimentos técnicos e identificação de soluções inovadoras, além de oportunidade para engajar atores-chave, como gestores públicos e parlamentares.

A proximidade com o centro de poder político brasileiro potencializa o alcance das discussões e pode catalisar políticas públicas voltadas para o reaproveitamento e para a resiliência hídrica em momento oportuno, quando somamos 18 anos da Lei de Saneamento nº 11.445, 15 anos de experiência com a Polícia Nacional de Resíduos Sólidos nº 12.305 e cinco anos da Lei nº 14.026, que atualizou  o Marco Legal do Saneamento de 2007. 

Trata-se, portanto, de oportunidade única para a sociedade se apropriar das discussões e decisões em jogo doravante e se engajar no tema, já que mais de 40 mil pessoas devem participar gratuitamente de forma presencial ou on-line.

A COP30 em Belém, em novembro, será mais uma etapa para alavancar o tema ao palco das discussões globais. O Brasil possui diversidade geográfica e climática que permite desenvolver e testar soluções para diferentes cenários, além de capacidade técnica e empresarial consolidada. 

"Adaptação já!" é o chamado oportuno para o momento atual. Cada dia de atraso na implementação de medidas adaptativas representa maior vulnerabilidade para as comunidades e maior custo futuro para a sociedade. O futuro do saneamento brasileiro será determinado pelas decisões tomadas hoje. 

É necessário construir um setor verdadeiramente resiliente, sustentável e preparado para os desafios do século 21. A adaptação não é apenas necessidade técnica, mas imperativo ético com as gerações futuras. O saneamento básico sempre foi sobre preservar vidas e a dignidade humana. Diante das mudanças climáticas, essa missão torna-se ainda mais urgente e estratégica. É hora de agir, adaptar e liderar.

 

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Por Opinião
postado em 25/08/2025 04:46
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