
» BETINA VON STAA, Educadora, doutora em linguística aplicada e fundadora do Canteiro Criativo
A aprovação do Projeto de Lei nº 2.628/22, apelidado de ECA digital, é muito bem-vinda! Trata-se de um passo extremamente importante para a proteção da infância e da juventude contra crimes que ocorrem na internet. Esse projeto de lei cria algum nível de responsabilização das redes e oferece alguns instrumentos para as famílias acompanharem as informações que chegam aos seus filhos. Especificamente, ele tem por objetivo reduzir a exposição de jovens a conteúdos nocivos, como pornografia, estímulo ao suicídio, bullying e jogos de azar.
Proteger crianças e jovens de tudo isso é muito bom e desejável. É importante que as plataformas sejam responsabilizadas pela informação que circula nelas, com alto grau de monetização, principalmente quando se trata de crimes. Por outro lado, também devemos pensar em como evitar que as crianças e jovens sejam afetadas negativamente pela atratividade das redes, das plataformas de games e dos seus influenciadores.
Essa tarefa não é simples. No final das contas, nós, crianças e jovens cedemos nosso tempo e nossa atenção em nome de informações que o algoritmo acha que aumentam o engajamento, e não há nenhuma garantia de que estejamos mais bem informados. E pior: podemos estar desinformados, recebendo más influências ou até sendo abusados.
Como lidar com isso? Nós que atuamos na área da educação digital entendemos que, além de regular, é necessário educar para o mundo tecnológico em que vivemos. Um cidadão precisa saber como e por que recebe a informação que recebe; se ela é suficiente, coerente e bem-intencionada; e quem está ganhando para distribuí-la. Um cidadão também precisa saber usar tecnologia com segurança; avaliar seu estado emocional ao usar um aplicativo; e saber configurá-lo para que lhe seja útil. E, para ter melhores oportunidades profissionais, também é importante saber criar artefatos (éticos e relevantes) com tecnologia.
Vale lembrar que não são só a pornografia e as bets que são nocivas para quem se informa por meio de redes sociais. A simples foto da vizinha magra (ou do vizinho fortão) muito bem-vestida na sua viagem de férias pode provocar inveja, distorção de imagem, anorexia e desejo de consumo. E não é crime postar fotos de viagem.
Isso não se aprende em casa. As famílias, mesmo com os recursos de controle parental, não têm como se informar sobre os riscos e as vantagens do uso da tecnologia para cada membro da família se informar e, muitas vezes, não conseguem imaginar o potencial ao se desenvolver habilidades próprias do mundo tecnológico.
As escolas, por sua vez, podem realizar projetos, propor questionamentos, organizar debates éticos, além de oferecer palestras e informativos para alunos e pais. Elas podem incluir a educação digital nos seus planos de formação integral do estudante. Trabalhar o efeito que as informações que circulam nas redes têm sobre os indivíduos até nas situações que não são crime, e ajudar alunos e famílias a entenderem que o que se vê ali são recortes da realidade, gerando mais resiliência para processar essas informações emocionalmente.
A ação educativa acaba sendo preventiva: crianças e jovens aprendem a lidar com a tecnologia com menos ingenuidade, apropriam-se de habilidades que os tornam criadores e não meros consumidores de artefatos tecnológicos, entendem que os algoritmos têm um propósito, aprendem a buscar informação sem ser buscados.
Se as escolas tomarem pata si a tarefa de promover a educação digital, como, antes mesmo da ECA Digital, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) Computação já previa para 2026, elas estarão contribuindo para prevenir muitos riscos ligados ao uso de tecnologia, além de dar melhores oportunidades para seus alunos exercerem a cidadania e as suas profissões no futuro.
Se deixarmos para aprender quando formos adultos e profissionais, é muito tarde. A instituição que tem as condições de promover essa formação é a escola, em especial a da educação básica. Mesmo que o conhecimento sobre tecnologia seja novo para as escolas, elas têm condições de buscar especialistas e a competência para desenvolver ações pedagógicas relacionadas à educação digital que sejam próprias para cada faixa etária.