ARTIGO

A visão embaçada de Trump sobre Brasília

Quem passou a Trump informações equivocadas sobre Brasília age de má-fé ou deve assumir a incompetência e a irresponsabilidade por ações tão bizarras e absurdas

JOSÉ NATAL  Jornalista

O presidente americano Donald Trump deve conhecer bem a cidade de Washington, capital de seu país. Inclusive, a considera perigosa e violenta e, segundo ele, parecida com cidades, como Bogotá, Lima, San José da Costa Rica, Cidade do México e Brasília. Mas, com certeza, Trump não conhece nem Brasília nem o Brasil. E quem passou a ele informações a esse respeito age de má-fé ou deve assumir a incompetência e a irresponsabilidade por ações tão bizarras e absurdas. 

Não vamos aqui cansar a paciência do leitor, buscando índices de pesquisas e estatísticas para contra-argumentar sandices desse porte. Longe de ser uma cidade-exemplo em termos de segurança e conforto social, Brasília está a quilômetros de distância em relação a seis ou sete outras metrópoles brasileiras nos quesitos violência e fragilidades. Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Cuiabá e Manaus, entre outras cidades, sabidamente enfrentam problemas dessa natureza há anos, e, mesmo com seguidas providências das autoridades, em muitas delas ainda persistem questões de difícil solução. 

A inclusão de Brasília nessa rota de pontuação negativa, caprichosamente citada por Trump, tem o objetivo claro e evidente de azedar ainda mais a conturbada relação momentânea entre Brasil e Estados Unidos, tendo como o pano de fundo o processo em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em seguidas ocasiões, Trump e alguns assessores de seu governo explicitaram a exigência pelo fim do que chamam de perseguição política ao ex-presidente. 

Nessa lista de assessores, mesmo que sem crachá que libere a portaria, o nome do deputado Eduardo Bolsonaro é mencionado com robusta consistência. E, nesse pacote de problemas, o anúncio de elevadas taxações de impostos a produtos exportados pelo Brasil para os Estados Unidos surge como a cereja do bolo para atiçar mais conflitos. 

A citação de Brasília nessa rede de intrigas levou o governador Ibaneis Rocha a enviar uma longa carta ao presidente americano. De um lado, o texto discorda das conotações negativas. De outro, cutuca o governo Lula, que, para o governador, deveria abandonar disputas ideológicas e abrir negociações produtivas na busca de interesses geopolíticos, evitando divergências partidárias. 

Em outro trecho, Ibaneis cita que "informações equivocadas possivelmente decorrentes da atual ausência de diálogo" tenham motivado observações tão ruins. Analistas com mais tempo de estrada consultados sobre a resposta do GDF aos equívocos de Trump lembraram que, por ocasião dos episódios lamentáveis de 8 de janeiro de 2023, eles não merecem do governador tanta consideração. A observação tem sua razão de ser.

O pensador inglês Aldous Huxley, que morreu em 1963 aos 69 anos, citava que "os fatos não deixam de existir simplesmente por serem ignorados". Inúmeros acontecimentos que, nos dias de hoje, perturbam e tiram a tranquilidade do povo brasileiro estão relacionados com a depredação selvagem de prédios públicos naquele ano fatídico, difícil de esquecer. A carta enviada por Ibaneis ao presidente Trump talvez não tenha nem sido lida por ele — nem será. Nada muito surpreendente se de fato isso acontecer, governantes são assim. 

Historicamente, as relações entre Brasil e Estados Unidos nunca foram abaladas e, em muitas oportunidades, os dois países fizeram parcerias em eventos e promoções de interesse comum. O intercâmbio cultural, esportivo e empresarial sempre existiu. É verdade também que o poderio financeiro, o peso da moeda e os encantamentos da modernidade americana em muitas ocasiões exercem o poder de sedução e conquista.

Nada justifica o ambiente hostil que o novo governo americano, sem motivo aparente, insiste em consolidar, trazendo de volta a antiga fama de que brasileiros aceitam uma estranha submissão imposta pelos gringos. Essa conduta é condenável e, contra isso, o Brasil já sinalizou que não vai aceitar. O comportamento de total submissão que a família Bolsonaro vem acelerando a passos rápidos com os bastidores do governo americano resvala no que há de pior para qualquer entidade que tenha o mínimo de respeito pelo seu país.

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