ARTIGO

Termoelétricas são retrocesso: o DF já sabe o preço da poluição

Incentivar termoelétricas é retroceder. Do Rio Melchior ao restante do país, nossa luta é por dignidade. E dignidade começa com escolhas certas

PAULA BELMONTEdeputada distrital, segunda vice-presidente da Câmara Legislativa e presidente da
CPI do Rio Melchior

Quem olha para o Rio Melchior, cortando regiões administrativas como Ceilândia e Samambaia, entende o tamanho do desafio que temos diante de nós. Um rio que já foi de águas limpas, hoje é classificado no nível mais crítico de poluição — virou sinônimo de abandono, de descaso, de um território onde a dignidade da população foi deixada para trás.

É justamente por viver essa realidade de perto que me preocupo com a decisão do governo federal de retomar incentivos para a instalação de usinas termoelétricas. Pode parecer um assunto distante, mas não é. Se já enfrentamos dificuldades para proteger o que ainda resta de nossos rios, imaginar novas fontes de poluição é ampliar a tragédia ambiental que atinge em cheio as famílias mais vulneráveis.

As termoelétricas funcionam queimando gás, óleo ou carvão para gerar energia. Isso significa mais fumaça no ar, mais riscos para a saúde e mais contaminação do solo e da água. A Fiocruz, instituição que é referência nacional em saúde pública, já apontou que esses empreendimentos aumentam casos de doenças respiratórias, reduzem a qualidade de vida e deixam impactos duradouros em quem mora nas regiões próximas. Não é teoria, é realidade comprovada pela ciência.

E quem mais sofre com isso? As crianças. É nelas que a poluição deixa marcas ainda mais profundas. Crianças expostas ao ar sujo têm mais chances de desenvolver problemas pulmonares e de crescimento. No Distrito Federal, onde milhares de famílias vivem em áreas próximas a rios e córregos comprometidos, o risco é ainda maior. Defender a primeira infância significa também garantir que cada criança possa crescer em um ambiente saudável, livre da fumaça das termoelétricas e da água contaminada que hoje já castiga o Rio Melchior.

Muitos podem até argumentar que o país precisa garantir energia e evitar apagões. É verdade. Mas precisamos perguntar: vamos resolver um problema criando outro? O Brasil tem todas as condições de apostar em fontes renováveis. Temos sol abundante, ventos constantes e pesquisas avançadas que mostram caminhos de energia limpa, capaz de gerar empregos, renda e desenvolvimento sustentável. Ignorar esse potencial para insistir em usinas poluentes é andar para trás e colocar em risco o futuro do nosso povo.

É importante lembrar que os custos das termoelétricas não se resumem ao preço do combustível. Eles aparecem nos hospitais lotados de pessoas com problemas respiratórios e de pele, nas famílias que gastam com remédios que poderiam ser evitados, nas áreas contaminadas que depois exigem milhões em recuperação ambiental — quando há políticas públicas para isso. É a população que paga essa conta, muitas vezes sem sequer perceber a ligação entre energia e saúde.

Aqui, no Distrito Federal, sabemos bem o que significa conviver com a degradação ambiental. O Rio Melchior, cuja poluição pode chegar à casa da maioria de nós, brasilienses, não pode se tornar apenas um exemplo a ser repetido em outras regiões do país. Não podemos aceitar que novos rios e novas comunidades sejam sacrificados em nome de soluções fáceis e imediatistas. O futuro precisa ser construído com coragem e responsabilidade, olhando para a ciência, ouvindo instituições e garantindo que cada decisão leve em conta a saúde e a dignidade das pessoas.

E é preciso dizer: quando falamos de poluição e energia suja, falamos também de desigualdade. Não são as regiões mais ricas que ficam à beira de rios contaminados ou próximos a áreas de risco ambiental. Quem sofre primeiro e de forma mais dura são as comunidades periféricas, que já enfrentam falta de infraestrutura, transporte precário, insegurança alimentar e desemprego. É nelas que a fumaça chega mais rápido, que o cheiro da água podre é mais forte, que a dignidade é colocada em segundo plano.

Por isso, esse debate é também sobre justiça social. Não se trata de uma escolha técnica, mas de uma decisão política: de que lado queremos estar? Trago à lembrança aqui a comunidade da Cerâmica, que fica nas proximidades do Melchior. Conheci a realidade daquelas pessoas em 2019 e fiquei comovida com a situação das mulheres com queda de cabelo, das crianças com dentes cariados e a pele cheia de erupção.

Defender a primeira infância, como tenho feito todos os dias desde que decidi entrar para a política, é também lutar por um modelo de desenvolvimento que não adoeça nossas crianças. O futuro de uma nação não pode ser construído em cima de chaminés soltando fumaça e rios transformados em valas de esgoto. Ele precisa nascer da energia limpa, do ar puro, da água preservada e do compromisso de fazer política olhando para quem mais precisa.

O Brasil não pode repetir os erros do passado. Incentivar termoelétricas é retroceder. O que queremos para nossas crianças é avanço, é inovação, é sustentabilidade. Do Rio Melchior ao restante do país, nossa luta é por dignidade. E dignidade começa com escolhas certas.

O Rio Melchior é apenas uma gota de exemplo no oceano de problemas que pode ser criado com a volta das termoelétricas.

 

  • Google Discover Icon
Por Opinião
postado em 05/09/2025 06:00
x