
ROBSON CARDOCH VALDEZ, professor de relações internacionais do IDP
Há 30 dias, entrou em vigor o tarifaço de Trump, que elevou em 50% as tarifas de importação sobre produtos brasileiros e afetou 36% das exportações para os EUA. A medida, apoiada por Eduardo Bolsonaro, foi justificada como esforço dos Estados Unidos para reindustrialização e equacionamento de deficits comerciais do país, mas também pressiona o Brasil a anular o julgamento contra Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado.
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Na economia, os efeitos do tarifaço vêm sendo sentidos de forma significativa: quebra de contratos e renegociações desvantajosas para brasileiros e norte-americanos que não encontram, no curto prazo, alternativas, dada a peculiaridade da relação comercial estabelecida há muitos anos. Da mesma forma, o reposicionamento dessas empresas em outros mercados não acontece de forma automática e tem efeito sobre as cadeias produtivas em que estão inseridas, diminuindo a lucratividade do setor, com repercussões negativas sobre renda e empregos. Enfim, estamos diante de um desafio comercial e geopolítico com várias dimensões.
O governo federal tem se posicionado de forma moderada, buscando estabelecer canais legítimos de diálogo para consultas bilaterais, na contramão de toda articulação lesa-pátria de Eduardo Bolsonaro junto ao círculo de aliados mais próximos do presidente Donald Trump no sentido de impor mais danos à economia nacional. Adicionalmente, o Palácio do Planalto fez o anúncio do plano Brasil Soberano, com instrumentos para mitigar os efeitos negativos de curto e médio prazo do tarifaço por meio de subsídios, compras governamentais e outras ações que buscam contemplar as mais diversas especificidades dos setores econômicos atingidos. Já o empresariado tenta estabelecer canais próprios de diálogos com atores norte-americanos que possam influir positivamente nesse processo de negociação junto ao governo norte-americano, em favor dos interesses do setor privado nacional.
Nesses últimos 30 dias, tem-se falado também, de forma intuitiva, na necessidade de se diversificar parcerias comerciais brasileiras, mas faz-se necessário ressaltar que esse movimento já está em curso há duas décadas. Em 2003, 25% das exportações brasileiras tinham os Estados Unidos como destino. No ano passado, esse percentual foi de 12%. Nesse sentido, precisamos avançar ainda mais nesse processo, empreendendo esforços para ampliar mercados na região sul-americana. Daí a centralidade de se fazer avançar os projetos brasileiros de infraestrutura dos cinco corredores bioceânicos para promover a integração de cadeias produtivas na América do Sul, mercado consumidor de produtos manufaturados brasileiros com grande potencial de expansão.
Por fim, o tarifaço de Trump parece ser mais um sintoma do colapso da ordem internacional estabelecida a partir de 1945, em que caberia aos Estados Unidos atuarem como ator hegemônico estabilizador de uma suposta ordem internacional liberal. Nesse cenário, a questão que se impõe é: seriam as medidas unilaterais dos Estados Unidos uma ação premeditada de desmonte do multilateralismo, pilar da ação internacional dos países do Sul Global?
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Adicionalmente, a pandemia da covid-19, a nacionalização estratégica de cadeias produtivas estratégicas e as guerras em Gaza e na Ucrânia evidenciam um cenário internacional cada vez mais instável. Além disso, o desrespeito sistêmico ao direito internacional por parte de potências ocidentais aprofunda a erosão dos mecanismos multilaterais de governança. Assim, a sociedade brasileira precisa entender que, para o Brasil, altamente sensível aos fenômenos externos e vulnerável em sua capacidade de se posicionar estrategicamente (nos campos da defesa e da economia), esse contexto representa riscos consideráveis, inclusive o existencial. Não se pode desconsiderar que tudo em qualquer parte do mundo pode ser uma ameaça potencial à segurança nacional dos Estados Unidos. Desde o comércio da 25 de março, passando pelo Pix e pelas queimadas na Amazônia até as supostas conexões brasileiras com o terrorismo ou narcotráfico internacional.
Percebam que, quando instituições (ONU e suas agências) criadas para mediar conflitos e assegurar regras comuns perdem eficácia (tarifaço, Ucrânia, Gaza), abre-se espaço para o avanço do protecionismo econômico, da lógica de soma zero e, em casos extremos, do armamentismo como garantia de sobrevivência estatal (Otan). Dessa forma, a ausência de confiança entre os países, aliada à anarquia crescente do sistema internacional, tende a transformar qualquer controvérsia em potencial foco de conflito bélico, uma vez que a cooperação cede lugar à busca unilateral por poder e segurança.
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