
Percepções dicotômicas marcaram a geopolítica brasileira ontem, quando o presidente Lula discursou na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) instantes antes do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ocupar o mesmo microfone. Como esperado, a polarização marcou a interpretação sobre as sinalizações do chefe da Casa Branca ao petista, ao dizer que o acha "um cara legal" e confessar até mesmo um abraço de bastidores.
Pelo lado bolsonarista, o entendimento foi de que Lula saiu mais forte após as falas de Trump na ONU, mas que isso também se estende ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, dado como favorito para representar a ala mais à direita na próxima eleição federal. Isso porque, na visão desse grupo, Tarcísio tenta uma interlocução com os EUA desde o início do tarifaço.
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Pelo lado governista, o clima é de vitória do Itamaraty. A interpretação é de que a resiliência de Lula durante a guerra comercial, tratando a questão sempre com reciprocidade, se mostrou assertiva. No fim das contas, o presidente brasileiro demarcou sua soberania e viu o par estadunidense conceder primeiro, ao menos publicamente.
Na prática, porém, a sinalização trumpista precisa ser encarada com cautela por todos. O histórico mostra que o governo dos EUA sob comando do empresário republicano tem como marca a instabilidade. Até mesmo a histórica previsibilidade do FED, o Banco Central dos Estados Unidos, foi questionada por investidores, diante de uma especulação de não uso do dólar como moeda principal para transações internacionais.
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Vale lembrar como a relação de Trump com Volodymyr Zelensky é tocada. Ao mesmo tempo em que se diz favorável ao cessar-fogo na invasão da Ucrânia pela Rússia e se coloca como mediador do conflito, o chefe da Casa Branca constrangeu Zelensky perante câmeras, em um bate-boca quase inédito na história da diplomacia, como aconteceu em fevereiro.
Inclusive, acerta o presidente Lula ao evitar qualquer tipo de espetacularização na possível conversa, que deverá ser feita por telefone ou vídeo. Quanto menos abrir espaço para instabilidades, melhor. São detalhes que fazem toda a diferença em relações internacionais de tamanha proporção.
Também é preciso reconhecer que há espaço para algum diálogo. Se antes as sanções eram impostas sem abertura de conversa entre as partes, fica claro, agora, que Trump está disposto a alguma troca verbal. Portanto, a interlocução brasileira com a Casa Branca está muito longe de se restringir a nomes da oposição.
A abertura sinalizada ontem por Trump pode ter repercussão relevante, mas é ainda inicial para o novo capítulo das relações diplomáticas entre Lula e Trump. Aguardemos com cautela, como tem feito acertadamente o governo brasileiro.
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