ARTIGO

Currículos verdes para um futuro habitável

A academia precisa levar a variável climática para dentro da sala de aula, dos currículos. Se nas próximas décadas o aquecimento global vai remodelar virtualmente todos os setores, toda formação profissional precisa incorporar essa realidade

PRI-2809-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2809-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Álvaro Madeira Neto médico sanitarista, mestre e doutorando em administração pela  EAESP/FGVProf. Ms. Jaime Romero — reitor e professor do Centro Universitário Dr. Leão Sampaio (Unileão)

Você confiaria em um médico ou engenheiro cuja formação ignora as mudanças climáticas? Isso será a realidade se nossas universidades não mudarem agora. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já classifica a mudança do clima como o maior risco à saúde pública do século 21. Organismos internacionais, segundo o Relatório de Riscos Globais 2024 do Fórum Econômico Mundial e o Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do IPCC da Organização das Nações Unidas (ONU), alertam que o aquecimento global está entre as maiores ameaças à estabilidade econômica mundial, sendo um fator de desestabilização social, agravando pobreza, deslocamentos e conflitos regionais. 

Diante desse cenário, qual o papel do ensino superior? Muitas universidades adotam medidas "verdes" em suas instalações, como painéis solares, reciclagem, eficiência energética. Embora importantes, as ações de infraestrutura não bastam. A contribuição mais profunda da academia está no centro de sua missão: formar pessoas e produzir conhecimento. Isso implica levar a variável climática para dentro da sala de aula, dos currículos, das competências profissionais e dos valores que orientam a formação. 

Como destaca a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a sustentabilidade na universidade deve ir além de simplesmente "pintar o câmpus de verde". Essa mudança precisa desencadear transformações na educação e na aprendizagem, alterar mentalidades e comportamentos em toda a instituição. A ideia de que podemos graduar médicos, engenheiros, educadores ou gestores ignorando o fator climático é ilusória e perigosa. Se nas próximas décadas o aquecimento global vai remodelar virtualmente todos os setores, da saúde à economia, toda formação profissional precisa incorporar essa realidade. Formar um médico hoje sem discutir doenças tropicais emergentes, ondas de calor e outros impactos do clima é produzir um profissional despreparado para seu tempo.

A Unesco revelou que apenas cerca de 53% dos currículos do mundo mencionam a mudança climática, um hiato educacional diante da gravidade da crise. Diante disso, Unesco e ONU pregam integrar urgentemente a educação climática em todos os níveis de ensino, ecoando que não há solução para a crise do clima sem ensino e consciência universais sobre o tema. O setor da saúde promove o conceito de "saúde planetária" na educação médica, enfatizando que os profissionais do futuro devem estar aptos a atuar em um mundo sob mudança climática.

Na Europa, 25 escolas médicas lançaram uma rede para incluir a crise do clima na formação de novos médicos. Nos Estados Unidos, a Universidade da Califórnia em San Diego passou a exigir que todos os graduandos cursem ao menos uma disciplina sobre o tema para se formarem. Na Ásia, a Siam University, na Tailândia, tornou obrigatória a disciplina de sustentabilidade para os estudantes, independentemente da carreira.

E o Brasil? Ainda são poucas as universidades fora dos grandes centros que conseguiram integrar de forma efetiva a agenda climática aos seus currículos. A Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), alinhou seus cursos à Agenda 2030 da ONU, incorporando sustentabilidade e cidadania global às disciplinas; a Universidade Federal de Lavras (UFLA), em Minas Gerais, é pioneira em gestão ambiental, e a Universidade São Paulo (USP), figura entre as 10 universidades mais sustentáveis do mundo no ranking UI GreenMetric. Embora ainda isoladas, essas experiências mostram que a transformação curricular pela sustentabilidade é viável, apontando um caminho para o futuro da educação superior brasileira.

Incorporar nos cursos de medicina, engenharia, agronomia, pedagogia ou administração os desafios impostos pelo clima formará lideranças capazes de articular soluções globais a partir de saberes regionais, preparando profissionais tecnicamente competentes e comprometidos com a sustentabilidade de suas comunidades.

Liderar o futuro climático com conhecimento, ética e compromisso com a vida significa repensar prioridades acadêmicas. Adaptação e mitigação climática devem estar no centro dos projetos pedagógicos, dos currículos e da extensão. Trata-se de promover uma mudança de cultura e propósito no ensino. Se a educação superior é um pacto com o futuro, é válido que esse pacto incorpore a maior questão do nosso tempo.

 

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Por Opinião
postado em 28/09/2025 06:00
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