ARTIGO

A base invisível da transformação digital

Sem infraestrutura de telecomunicações, não há inclusão digital, economia de dados e soberania digital. É justamente a infraestrutura — a base e a fundação invisível — que sustenta todo o ecossistema digital

PRI-2909-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2909-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Edson Holanda membro do Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)

 

À primeira vista, o futuro parece estar na nuvem. Mas é sob o solo, nos cabos, antenas e satélites, que o presente digital realmente acontece.

Plataformas digitais, redes sociais, serviços de streaming, e-commerces, aplicativos bancários, telemedicina, inteligência artificial. O que tudo isso tem em comum? Nenhum desses serviços funcionaria sem a presença de uma infraestrutura robusta, confiável e bem regulada de telecomunicações.

É essa infraestrutura — composta por redes ópticas, cabos submarinos, antenas 5G, torres de transmissão, data centers e espectros de frequência — que constitui a camada base do sistema digital brasileiro. E é justamente sobre essa base que se assentam todas as demais camadas da transformação digital: da conectividade residencial aos ecossistemas industriais de automação, da educação remota ao agronegócio digital.

Essa camada é invisível para a maioria dos cidadãos. Mas sua importância não pode ser subestimada. A performance das aplicações digitais — sua velocidade, estabilidade e segurança — está diretamente relacionada à qualidade técnica da rede que as suporta. Se a conexão falha, toda a experiência digital é comprometida.

O Brasil tem dado passos relevantes. A massificação da fibra óptica fez com que milhões de famílias chegassem ao ensino remoto durante a pandemia. O leilão do 5G abriu espaço para novas aplicações em logística, telemedicina e agricultura de precisão. 

Recentemente, o governo federal instituiu o regime fiscal especial Redata (MP 1.318/2025), com isenções sobre impostos federais para equipamentos de data centers, medida concebida para tornar o Brasil um polo atrativo para investimentos tecnológicos internacionais. Relatórios setoriais sinalizam que o país poderá receber R$ 258 bilhões entre 2024 e 2027 no setor de data centers e nuvem, e grandes players globais já estão entrando ou expandindo operações aqui — como a Amazon (AWS), que prevê investir R$ 10,1 bilhões até 2034, e a Equinix, que adquiriu a Alog Data Centers. Essas movimentações não são acidentais: são respostas à nova política que identifica a infraestrutura digital como eixo estratégico de desenvolvimento.

Todos esses movimentos confirmam que o Brasil está no centro de um tabuleiro geopolítico em que dados e infraestrutura digital se tornaram ativos tão estratégicos quanto petróleo e energia.

Ainda assim, os desafios são imensos. Persistem desigualdades regionais: enquanto centros urbanos contam com conexões de alta velocidade, comunidades rurais e periferias urbanas ainda convivem com limitações severas de acesso. A exclusão digital não é apenas um problema técnico, mas social e econômico, pois define quem pode ou não participar da economia do século 21.

Por isso, a regulação e o fortalecimento da fundação do ecossistema digital são temas estratégicos para o país. É a disciplina do uso do espectro, a qualidade da conexão, a interoperabilidade entre redes e a expansão da cobertura que garantem que a transformação digital não se limite a poucos, mas alcance a sociedade como um todo. 

O mundo já percebeu isso. Os Estados Unidos tratam seus cabos submarinos como questão de segurança nacional. A União Europeia construiu uma agenda digital que vincula conectividade à proteção de dados e inovação. A China consolidou um plano estatal de expansão de 5G e inteligência artificial como parte de sua estratégia global de influência. O Brasil não pode ficar para trás.

E há um ponto adicional, muitas vezes negligenciado: soberania digital não começa na superfície das leis ou dos algoritmos, mas no controle das infraestruturas críticas que transportam os dados. Quem regula as rotas da informação, regula os caminhos da economia, da inovação e da cidadania digital. A ausência de uma política clara nessa área pode significar dependência tecnológica, vulnerabilidade cibernética e perda de autonomia econômica.

À medida que o país consolida seu marco legal e institucional para o século 21, é fundamental reconhecer o papel estratégico da infraestrutura crítica do setor de telecomunicações. Não apenas como um ativo econômico, mas como guardiã da base física e lógica que viabiliza todos os serviços digitais que movem a economia e a sociedade.

A transformação digital é irreversível — mas ela precisa de alicerces. Esses alicerces são invisíveis à maior parte da sociedade, mas indispensáveis para o avanço da jornada digital e para o futuro do país. O Brasil tem uma oportunidade histórica: transformar sua economia digital em instrumento de desenvolvimento inclusivo, competitivo e soberano. Ignorar essa base seria comprometer não apenas a inovação, mas o próprio destino nacional na era digital.

Mais do que um desafio técnico, trata-se de uma escolha política e civilizatória: se queremos ser apenas consumidores de tecnologia ou protagonistas da economia digital. A relevância desse setor não pode ser ofuscada pelo encantamento e pela popularização das plataformas digitais. É justamente a infraestrutura — a base e a fundação invisível — que sustenta todo o ecossistema digital. Sem ela, as aplicações mais modernas e inovadoras não conseguem ficar de pé. 

 

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Por Opinião
postado em 29/09/2025 06:00
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