
Ademar K. Sato — graduado em administração e direito, pós-graduado em ciências sociais, mestre em economia, monge budista, ex-regente do Templo Budista de Brasília
A participação do presidente Lula na Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque foi positiva, tanto em sua fala como no encontro com o presidente americano. Três pontos, porém, chamaram a minha atenção.
O primeiro foi a afirmação de Lula: "Existe um evidente paralelo entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia". O segundo, a declaração de Eduardo Bolsonaro de que a simpatia demonstrada por Trump ao Lula seria "genialidade" da política americana. O terceiro, a configuração da nova geopolítica nacional e internacional.
Setembro sempre me traz lembranças. Em 2 de setembro de 1945, o Japão rendeu-se após o lançamento de duas bombas atômicas, embora se procurasse preservar o imperador em nome da paz nacional. No Brasil, fui perseguido nas ruas aos gritos de "Japinha, volte para sua terra. O Japão perdeu a guerra". Tinha seis anos.
Fugia sem entender nada. Afinal, nasci em São Paulo, na capital, e considerava o Brasil como minha pátria. Senti na pele, atônito e tremendo de medo, a discriminação por ignorância. Devo também dizer que aqueles meninos que me lançavam pedras e ameaçavam com paus se tornaram mais tarde meus primeiros amigos da rua onde morava.
Em 5 de setembro de 1969, o embaixador americano Charles Elbrick foi sequestrado por guerrilheiros no Brasil. Nessa época, já era professor na USP e escapei da repressão, indo estagiar na Cepal, em Santiago do Chile. Ali, vivi outro setembro marcante: no dia 11 de 1973, o general Pinochet traiu o presidente eleito Salvador Allende e deu o golpe militar. Escapei da morte várias vezes, inclusive no bombardeio ao Palácio La Moneda, chegando a ser preso e levado ao pelotão de fuzilamento.
Este setembro de 2025 foi diferente. Tivemos o 7 de Setembro tradicional, em que nem sempre lembramos que Tiradentes clamava pela Independência e, especialmente, pela soberania do Brasil contra o tarifaço da Coroa Portuguesa e foi atraiçoado por Joaquim Silvério dos Reis, que tomou o partido da matriz por barganhas pessoais medíocres. No dia 21, concentrações alegres e coloridas, clamando pela justiça, soberania e democracia em todas as capitais do país e, dois dias depois, o discurso do presidente Lula na abertura da Assembleia da ONU, em Nova Iorque, como protagonista de dimensão mundial com ampla repercussão nacional e internacional.
A democracia e o multilateralismo estão no coração da ONU. Já a simpatia de Trump por Lula pode ter sido estratégica, mas acabou fragilizando no Brasil o próprio movimento antinacionalista, antidemocrático e antiprogressista.
Acusação criminal legítima não é perseguição política, e democracia significa respeito às instituições. Da Revolução Americana e Francesa, aprendemos que liberdade, igualdade e fraternidade devem ser constantemente renovadas em novos significados, como liberdade de criatividade, igualdade na diversidade e fraternidade como amorosidade. E dignidade, coragem e sabedoria nos fazem lembrar Washington, Jefferson e Franklin como pais da independência americana que conseguiram se lançar nos novos horizontes da evolução histórica.
Entretanto, o que se vê hoje é o império americano engolido pela complexidade global, enquanto ressentidos se deixam levar por narrativas autoritárias, fake news e xenofobia. Massas desorganizadas que se sentem inseguras e isoladas, desinformação antipolítica que difunde desconfiança nas instituições democráticas, culto de personalidade. Nada temos a aprender com esse modelo que está perdendo a autonomia da autocrítica renovadora que era sua marca.
Quanto à geopolítica nacional e internacional, tão importante como a COP30 e o fortalecimento do Brics é compreender que a democracia precisa evoluir. Ela nunca foi pura, mas pode ser menos imperfeita. No Brasil especialmente, podemos fortalecer a participação cidadã, como queria Ulisses Guimarães e Tancredo Neves, por meio do orçamento participativo popular apoiado por inteligência artificial, da eleição de administradores regionais, como espero que ocorra no Distrito Federal, e das candidaturas avulsas, já em debate no Supremo Tribunal Federal (STF).
Ditadura nunca mais. Democracia, sim, sempre em processo evolutivo de aperfeiçoamento.