
Estamos a 15 dias da COP30, a grande, importante e estratégica conferência global que vai reunir o planeta para discutir, no fim das contas, o que devemos fazer para garantir a nossa sobrevivência nele. Meio ambiente, clima, biodiversidade, interesses econômicos e políticos estão sobre a mesa. Mas e o que não está? E os silêncios, os detalhes invisíveis, os lugares esquecidos, as omissões, os acordos não cumpridos? Talvez meus questionamentos sejam precipitados, adiantando mais um fracasso para incorporar a tantos outros, empilhados em camadas ao longo do tempo. Precisaria de um movimento tectônico para desencavar todo esse lixo acumulado.
A verdade é que quem de fato se preocupa vive o futuro e as ameaças que chegam em avisos dados pela ciência. Também enxergamos catástrofes cada vez mais presentes no nosso cotidiano. Estamos vendo, falando, avisando, mostrando, mas não estamos mudando. Porque mudar é coletivo, global. Não se muda com alertas, acenos, nem mesmo com provas irrefutáveis da ciência. São necessárias ações, dinheiro no cofre certo e fiscalização rigorosa ao aplicá-lo. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que esta precisa ser uma conferência de ações. A ver.
O Correio vai acompanhar a COP30 com um olho na floresta e outro no Cerrado. Por analogia um tanto boboca, mas de fácil compreensão, digamos que o Cerrado é o patinho feio e a floresta, o cisne gracioso. E, sim, tudo ao final é o mesmo ser.
A Amazônia, de forma compreensível, é um apelo irresistível ao mundo. Mas e o Cerrado, berço das águas, com uma biodiversidade igualmente rica, segundo bioma brasileiro em extensão? Segue sendo negligenciado.
Para o professor Guarino Colli, do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador da Rede Biota Cerrado, é crucial que o Cerrado esteja na agenda da COP. "O problema começa na Constituição, que cita Amazônia e Mata Atlântica, mas não o Cerrado. No Código Florestal, propriedades na Amazônia devem preservar 80% da área; no Cerrado, apenas 20%. Em áreas de transição, 35%. A legislação não protege adequadamente o Cerrado", disse.
A bióloga e cientista Mercedes Bustamante considera absolutamente necessário "superar o 'deficit de consciência' em relação ao bioma em particular e à crise climática em geral". "O Cerrado é fundamental para a estabilidade ambiental do Brasil e da América do Sul, e sua proteção deve ser uma prioridade na COP30. Estamos falando da savana tropical mais biodiversa, berço de oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras", disse em entrevista ao Correio.
Como fizemos na pandemia, o Correio terá uma sala permanente de conversas com professores da UnB sobre a necessidade de o Cerrado ser incluído na pauta da COP30, entre outros temas estratégicos. Já começamos a publicar entrevistas a respeito, como as citadas acima. Além disso, temos uma parceria com a Embrapa Cerrados, que está completando 50 anos, para explicitar ainda mais a importância do nosso bioma.
O nosso olhar sobre a floresta também chegou antes da COP30, com a série de reportagens Da Rio 20 à COP 30: o fracasso de um projeto ecológico, de autoria da jornalista Cristina Ávila, que tem longa história afetiva com o Correio, onde trabalhou. Ela escolheu o jornal para publicar o registro potente da sua viagem de 2.000 quilômetros pelas águas dos rios Xingu, Iriri e Riozinho do Anfrísio, de carona em voadeiras, rabetas e chalanas — "embarcações típicas que singraram uma Amazônia profunda no sudoeste do Pará, na Terra do Meio, belíssimo mosaico natural e cultural brasileiro de 11 unidades de conservação (UCs) e 15 Terras Indígenas (TIs)".
Narrar a vida e a luta dos ribeirinhos e indígenas que vivem na Terra do Meio é uma pauta que começou há 13 anos, conforme Cristina mesma destaca na primeira matéria, quando o projeto Arpa, integrado pela Terra do Meio, foi apresentado durante a Rio 20. O projeto de 10,7 milhões de euros da União Europeia foi assinado, totalmente concluído, e nunca saiu do papel.
Não se trata de apenas mais uma história de fracasso, mas como, a partir dele, do não feito, comunidades indígenas e de ribeirinhos foram atingidas por mais essa ausência, com as consequências de desmatamentos, grilagens e garimpos que ameaçam reservas na Bacia do Xingu. Obrigada pela honra, Cristina Ávila, e pelo belíssimo trabalho.
