ARTIGO

Crianças primeiro: a chance histórica do Brasil na COP30

Crianças e adolescentes precisam ocupar o centro das decisões, inclusive as climáticas, já que, além de afetados, são parte da solução

LAÍS FLEURY, líder de Natureza da Alana;e  PEDRO HARTUNG, Ceo da Alana Foudation

A crise climática é, acima de tudo, uma crise de direitos da criança. Não se trata apenas de temperaturas altas, enchentes ou secas. O que está em jogo são as vidas de milhões de meninas e meninos para quem o presente e o futuro estão sob ameaça de um planeta cada vez mais hostil. Segundo o Unicef, cerca de 1 bilhão de crianças vivem expostas a riscos climáticos severos.

Em 2024, eventos extremos afastaram quase 250 milhões de crianças das escolas em todo o mundo, mais de 1 milhão só no Brasil. Nas capitais brasileiras, pesquisa do Alana com dados do MapBiomas mostra que cerca de 370 mil alunos estudam em instituições em áreas de risco climático, suscetíveis a inundações, deslizamentos, entre outros. Também aponta que mais de um terço das escolas, nas 26 capitais e em Brasília, não têm área verde em seus lotes.

O impacto, porém, não é uniforme. A injustiça climática fica mais acentuada quando a pobreza e o risco ambiental se somam e, segundo a Save the Children, 774 milhões de crianças enfrentam essa dupla ameaça. Além de serem mais vulneráveis pela idade, elas também são afetadas pelas desigualdades estruturais de gênero e raça, amplificando ainda mais os desafios de maneira interseccional. 

No Brasil, 40 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade vivem em lugares de alto risco climático, que não têm infraestrutura capaz de resistir a esses eventos climáticos extremos. As crianças são as mais afetadas por essas exposições, o que impacta no seu desenvolvimento para o resto da vida: problemas respiratórios agravados, insegurança alimentar, ansiedade e depressão. 

Direitos fundamentais, como educação, saúde e lazer, garantidos no artigo 227 da Constituição Federal, que garante absoluta prioridade à infância e à adolescência, são comprometidos quando a vida cotidiana se transforma em uma corrida para sobreviver a desastres ambientais cada vez mais frequentes.

Esses efeitos vão além do impacto imediato. Uma enchente que destrói uma escola ou uma seca que provoca fome não significam apenas perdas materiais, mas também impactos invisíveis e duradouros sobre a formação de milhões de cidadãos. A cada evento extremo, a desigualdade se aprofunda e as perspectivas de futuro se estreitam.

Por tudo isso, crianças e adolescentes precisam ocupar o centro das decisões, inclusive as climáticas, já que, além de afetados, são parte da solução. Sua curiosidade, criatividade e resiliência constituem um convite para imaginar soluções mais justas e regenerativas, capazes de restaurar nossa relação com a Terra e de construir sociedades solidárias e preparadas para os desafios vindouros, inclusive na relação interdependente com outras espécies.

Inserir as crianças no diálogo não é apenas um imperativo ético e prática de justiça climática intergeracional; é uma estratégia de desenvolvimento de sociedade e país com um resultado melhor para todos. Uma praça verde, com rios não poluídos e espaços para crianças brincarem ao ar livre, certamente será uma vizinhança segura, caminhável e feliz para todos.

O Brasil tem agora uma oportunidade única. A COP30, em Belém, não pode ser apenas mais uma conferência entre países; ela precisa marcar compromissos concretos que coloquem as infâncias no centro da adaptação e da mitigação, por meio de uma consideração primordial, como diz a Convenção sobre os Direitos das Crianças da ONU. 

Isso significa integrar a pauta climática às políticas de educação, proteger comunidades em áreas de risco, elaborar planos que contemplem as especificidades da infância e enfrentar o racismo ambiental, que expõe meninas, crianças negras, indígenas, quilombolas e periféricas a riscos desproporcionais. Também passa por abrir espaços para que suas vozes sejam ouvidas e possam participar diretamente, reconhecendo-as como sujeitos de direitos e agentes de transformação.

Foi nesse espírito que aconteceu, no último dia 3, em Brasília, o encontro Crianças e ação climática: prioridades e compromissos rumo à COP30, organizado pelo Alana em parceria com a Pontifical Academy of Science e a Pontifical Academy of Social Science, academias pontifícias de ciências e ciências sociais do Vaticano.

O evento integra uma série de 10 encontros sobre resiliência climática previstos para ocorrer em diversas partes do mundo. A proposta é clara: afirmar que não há resiliência climática sem proteger antes os mais vulneráveis, mobilizando e comprometendo o país para que a infância esteja no centro das negociações climáticas.

Esse é o compromisso do artigo 227 da Constituição e da Convenção, que precisamos lembrar como países, políticos, empresas, sociedade e famílias. O Brasil, anfitrião da próxima COP, tem a oportunidade de deixar esse legado ao mundo: de que proteger as crianças e a natureza é garantir a nossa própria vida em sua essência.

 


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