Joaquin Gonzalez-Aleman — representante do Unicef no Brasil; Cristian Morales Fuhrimann —
representante da OPAS/OMS no Brasil
O Brasil tem hoje mais adolescentes do que crianças. Segundo o último Censo, a população entre 10 e 19 anos supera a de 0 a 9 anos. Esse dado, por si só, já nos convida à reflexão — e à ação. O presente e o futuro do país estão sendo moldados agora, nas múltiplas vivências, desafios e potências das adolescências.
A realidade vai além dos números. No Brasil, a adolescência é marcada por experiências diversas — e desiguais. Local de moradia, cor da pele, gênero, orientação sexual ou deficiência podem definir acessos e riscos distintos à saúde, à proteção e à informação. Uma menina negra da periferia, um jovem indígena, uma adolescente LGBTQIA ou um menino quilombola enfrenta realidades muito diferentes. É preciso falar em adolescências, no plural, e garantir saúde com equidade, reconhecendo essa diversidade.
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O retrato atual exige atenção. Todos os anos, cerca de 289 mil crianças nascem de adolescentes entre 15 e 19 anos, geralmente em contextos de baixa renda e escolaridade. A gravidez na adolescência afeta trajetórias educacionais e profissionais. Entre 2013 e 2023, mais de 90 mil adolescentes morreram de forma violenta, 83% vítimas de armas de fogo, em sua maioria, meninos negros. Acidentes de trânsito são a segunda causa de morte e também deixam milhares com incapacidades permanentes.
A saúde mental desponta como preocupação central: um em cada seis adolescentes vive algum nível de sofrimento psíquico. Já a obesidade cresce: um em cada cinco adolescentes entre 15 e 17 anos está com excesso de peso — cerca de 1,8 milhão de jovens com risco futuro de doenças crônicas.
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Por que investir na saúde de adolescentes? Porque é um direito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa fase é crítica para o desenvolvimento físico, mental e social, quando hábitos e identidades são construídos. É também uma janela de oportunidade: investir hoje significa prevenir doenças, interromper ciclos de desigualdade e fortalecer economias. Cada ação em saúde gera impactos no presente, no futuro desses jovens e nas próximas gerações.
O que estamos fazendo no Brasil? Em 2025, celebramos os 35 anos do ECA, marco histórico na proteção de direitos, e o Brasil tornou-se o primeiro país da América Latina a aprovar legislação específica para enfrentar riscos digitais e seus impactos na saúde mental: o ECA Digital (Lei 15.211/2025).
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Avançamos também na produção de evidências, como a iniciativa Indicadores Gama (Ação Global para monitorar a saúde e o bem-estar de adolescentes), parceria entre Ministério da Saúde, Opas/OMS e Unicef, que apoia políticas intersetoriais. Entre as ações em curso, estão: a retomada da caderneta de saúde do adolescente em versão digital; o fortalecimento da alimentação escolar, referência mundial pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar; o esforço para recuperar altas coberturas vacinais, priorizando adolescentes com estratégias em escolas; e a qualificação dos serviços de atenção primária, tornando unidades básicas cada vez mais amigáveis às adolescências.
O que ainda precisa ser feito? Avançar na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens, com diretrizes contextualizadas ao Brasil, baseadas em objetivos, metas e estratégias concretas. Para isso, é essencial consolidar a gestão intersetorial — unindo educação, saúde, assistência social, cultura, esporte e justiça. Políticas eficazes dependem de governança compartilhada, participação ativa dos adolescentes e monitoramento contínuo.
Celebrar o Dia Nacional da Saúde de Adolescentes e Jovens, no último 22 de setembro, é reconhecer a potência dessa fase da vida, mas também nossa responsabilidade coletiva de a proteger. Reforçamos o compromisso com uma abordagem integral, inclusiva e equitativa. Cuidar da saúde dos adolescentes é cuidar do presente e do futuro do Brasil.
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