Artigo

Um ministro trabalhista no STF é indispensável 

É uma presença que não fala por um grupo, mas por um país inteiro: o país que produz, que cria, que negocia, que sonha

VALDIR FLORINDO, desembargador, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) e presidente honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho

Vivemos um tempo de transformações profundas. A economia, o trabalho e as instituições estão sendo redesenhados por forças que ultrapassam fronteiras e alteram o modo de produzir, de comunicar e de viver. O que antes parecia distante — a automação, as mudanças climáticas, as novas dinâmicas produtivas — hoje atravessa o cotidiano de cada brasileiro: do agricultor que enfrenta o clima incerto ao motorista de aplicativo que lida com algoritmos invisíveis; da professora que ensina a novas gerações conectadas à empreendedora que transforma a própria casa em espaço de trabalho. 

O Brasil sente essas mudanças com intensidade porque é, acima de tudo, um país que trabalha, seja como empregado, seja como empreendedor. É o trabalho que dá forma à nossa identidade e traduz o esforço coletivo que nos mantém de pé em tempos de crise. Nele se revelam as contradições, mas também a força criadora do povo brasileiro, um povo que faz do trabalho um gesto de dignidade e um caminho de liberdade. 

O trabalho sempre foi um dos motores da nossa vida coletiva, espaço de criação, de sustento e de relações. O direito que o protege surgiu da necessidade de dar forma justa ao desenvolvimento, garantindo que o progresso econômico caminhe junto com o equilíbrio social. Ele existe para lembrar que o crescimento de um país só é verdadeiro quando todos são respeitados e reconhecidos no valor do que fazem. E que nenhuma sociedade prospera de modo duradouro sem valorizar cada pessoa pelo que faz, pelo que cria e pelo que transforma. 

A Constituição consagrou essa síntese ao estabelecer, como fundamentos da República, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa. Esses princípios não são opostos: se completam. O progresso exige liberdade, mas também exige dignidade. A Carta de 1988 não foi apenas um marco jurídico, mas um projeto de democracia substantiva que buscou fazer da igualdade e da liberdade realidades complementares, e não promessas distantes. 

Esse é o pacto constitucional que sustenta o Estado Democrático de Direito e confere legitimidade às instituições, especialmente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Esse equilíbrio, tão claro no texto constitucional, torna-se mais complexo na vida real. Ele se revela, com toda sua densidade, no cotidiano das empresas, nos órgãos públicos, nas mesas de negociação e nas múltiplas formas de trabalho que hoje se reinventam, das fábricas às plataformas digitais. Compreender esse universo requer mais do que teoria: requer experiência, sensibilidade e o olhar de quem vive o dia a dia do trabalho e entende a sua função social. 

É por isso que é essencial que o STF, guardião da Constituição e intérprete último de suas promessas democráticas, inclua em sua composição alguém experienciado na Justiça do Trabalho. Não para representar um segmento, mas para assegurar que a pluralidade institucional da Corte reflita todas as dimensões da sociedade que ela julga. Falta, hoje, uma voz que conheça, por dentro, as nuances do mundo do trabalho: suas tradições, suas transformações e suas repercussões econômicas e humanas. 

Um ministro do STF com trajetória trabalhista traria ao Supremo a experiência de quem já presenciou, cotidianamente, o diálogo entre capital e trabalho. É uma presença que não fala por um grupo, mas por um país inteiro: o país que produz, que cria, que negocia, que sonha. Essa voz ajudaria a garantir que a interpretação da Constituição continue fiel à sua essência de unir liberdade e justiça, economia e humanidade, norma e vida real. 

O Brasil vive um momento de reconstrução e amadurecimento. Voltamos a crescer, a inovar e a acreditar no futuro. É tempo de renovar o compromisso com um país produtivo e justo, capaz de unir liberdade econômica e responsabilidade social. Por tudo isso, um ministro trabalhista no STF é indispensável. Porque compreender o trabalho é compreender o Brasil. E compreender o Brasil é o primeiro passo para fortalecer, todos os dias, a nossa democracia.

 


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