Anunciado como uma das atrações do Festival Estilo Brasil, Lô Borges viria a Brasília para se apresentar no auditório master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, ao lado de Beto Guedes, em 25 de outubro. Uma semana antes o entrevistei, mas ele não chegou a vir a Brasília, em decorrência de um problema de saúde, que o reteve em Belo Horizonte, sendo substituído por Wagner Tiso.
Durante o papo, ele buscou dar ênfase ao álbum que iria lançar, reunindo canções com letras de Zeca Baleiro. Entusiasmado, contou-me como se aproximaram: "Conheci o Zeca, aqui em Belo Horizonte, no final dos anos 1980. Na época, ele era desconhecido, anônimo, mas dono de grande talento. Frequentava o bairro de Santa Tereza, onde nasci, e local de surgimento do Clube da Esquina, que o Milton Nascimento e eu criamos".
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Anteontem, fomos tristemente surpreendidos com o anúncio do falecimento do eterno parceiro de Milton. Juntos, criaram, no fim da década de 1970, um dos mais relevantes movimentos da Música Popular Brasileira, que gerou o álbum tido, ao lado do Chega de Saudade, síntese da Bossa Nova; e o Tropicália, epifania de Caetano Veloso e Gilberto Gil, três discos definidores da MPB.
Em 1972, paralelamente ao Clube da Esquina, Lô lançou o chamado Disco do tênis, que reunia composições autorais. À época, ele explicou que a ilustração da capa simbolizava a sua intenção de botar o pé na estrada, que o levou, na prática, a viajar durante um ano pelo país, se apresentando gratuitamente em praças públicas.
Lô, discípulo dos Beatles, a quem celebrou com Para Lennon e McCartney, foi criador e intérprete de outros clássicos como Cravo e canela, Dois rios, Quem sabe isso quer dizer amor, Paisagem da janela e Um girassol da cor do seu cabelo — canções melódicas e harmonicamente sofisticadas que fazem parte de um compêndio das mais belas composições do cancioneiro nacional.
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Quase todas receberam letras do irmão Márcio Borges. Outros parceiros de Lô são Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Arnaldo Antunes, Nando Reis, além dos tropicalistas Caetano Veloso e Tom Zé. Eles o viam como um artista e grande talento.
"A MPB que conhecemos não seria a mesma se não tivesse nos dado a alegria das composições de Lô Borges, ouvidas inicialmente em Belo Horizonte, antes de ultrapassar as fronteiras de Minas Gerais", ressaltou o presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo ele, a primeira dama Janja da Silva é uma grande fã da música do artista.
Fui espectador de alguns shows de Lô. A última vez em que o vi em cena foi em 7 de novembro de 2019, num superlotado Ulysses Guimarães, como convidado de Milton Nascimento, no concerto da turnê comemorativa do cinquentenário do Clube da Esquina. Durante a apresentação, além das canções já citadas, eles dividiram a interpretação de San Vicente, Me deixa em paz e Nada será como antes.
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Esta última deu título ao musical, dirigido por Charles Moeller e Cláudio Botelho, que se manteve em cartaz por dois meses no Teatro Claro, em Copacabana, no Rio de Janeiro, durante o verão de 2017, que também tive o privilégio de assistir.
