
ADRIANA PINHEIRO, Assessora de Incidência Política e Orçamento do Observatório do Clima
Licenciamento ambiental não é detalhe burocrático nem inimigo do desenvolvimento. É a ferramenta que o país criou há décadas para avaliar impactos, ouvir a sociedade e decidir com base em evidências técnicas. A aprovação da Medida Provisória 1.308/2025 pelo Congresso, que consolida a chamada Licença Ambiental Estratégica (LAE), mexe nesse sistema e acende um alerta entre especialistas, ambientalistas e comunidades atingidas. A sessão do Senado que a aprovou durou apenas 90 segundos; os efeitos, porém, perdurarão por décadas.
A LAE é apresentada como instrumento de agilidade. Ela substitui o rito ordinário do licenciamento, estruturado por fases, tipologias e análise de impacto, por uma licença única, com prazo máximo de 12 meses e limite para pedidos de complementação de estudos. Esse desenho concentra pressão política em um processo mais curto, reduz espaços de controle técnico e participação social e limita prevenção, transparência e controle público previstos no artigo 225 da Constituição. Em especial em áreas de fronteira agrícola e de expansão de infraestrutura, o risco é disparar uma nova frente de destruição florestal, com o consequente aumento de emissões de carbono.
O contexto da tramitação reforça a preocupação. A única parte dos vetos presidenciais à Lei Geral do Licenciamento que não foi derrubada pelo Congresso na sessão de 27 de novembro foi justamente a relativa à LAE, que havia sido destacada do PL da Devastação original pelo governo e apresentada como medida provisória. A mensagem é clara: aquilo que foi barrado no debate anterior retornou por uma via mais rápida e menos participativa.
O processo de votação também foi acelerado. A MP foi analisada na Comissão Mista em uma única sessão, sem audiência pública. No mesmo dia, foi votada pela Câmara dos Deputados. Na manhã seguinte, foi aprovada simbolicamente pelo Senado em um minuto e meio. Tudo isso poucos dias depois de o Brasil sediar a Conferência do Clima e reiterar compromissos de enfrentamento à crise climática e de proteção de salvaguardas socioambientais, com potencial de afetar a confiança internacional no país na sua reputação como sede da COP30 e defensor da floresta, a segurança jurídica para investidores e o cumprimento da NDC e do Acordo de Paris.
Entre os efeitos concretos da matéria aprovada estão a expansão da licença por adesão e o compromisso para atividades que podem envolver risco, a possibilidade de uso de dados secundários e diagnósticos antigos sem critérios claros de atualização e o fortalecimento da decisão política na definição de empreendimentos estratégicos.
Ao afrouxar salvaguardas socioambientais e afrontar a Constituição, o Congresso empurra para o Judiciário aquilo que ele deveria ter resolvido. A tendência é de que conflitos que deveriam ser resolvidos no licenciamento migrem para a Justiça, o que não interessa ao poder público, aos empreendedores nem às populações vulneráveis.
Esse movimento não está isolado. Outra medida provisória, já convertida na Lei 15.269/2025, autorizou o uso da LAE para hidrelétricas de grande porte, empreendimentos que costumam envolver supressão de vegetação, alteração de rios e deslocamento de populações.
O efeito combinado dessas mudanças é um deslocamento da balança entre agilidade e segurança. Ganham força arranjos que privilegiam a rapidez formal na emissão de licenças e reduzem o espaço para a análise de impactos cumulativos, a atuação de órgãos especializados e a escuta qualificada de povos e comunidades tradicionais. Em vez de ampliar previsibilidade e segurança jurídica, a combinação de prazo exíguo, dados defasados e ampliação de dispensas tende a produzir mais incertezas, contestações e judicialização.
O Brasil precisa de obras, investimentos e geração de emprego e renda, mas precisa também cumprir a Constituição, proteger seus biomas, respeitar direitos e honrar compromissos climáticos. Não se trata de defender um licenciamento paralisante, e, sim, um licenciamento tecnicamente robusto, com critérios claros, prazos razoáveis e participação social efetiva. O caminho para um desenvolvimento duradouro não passa por esvaziar salvaguardas socioambientais, e, sim, por aperfeiçoar os instrumentos que garantem que cada grande obra seja planejada com responsabilidade.
O licenciamento ambiental previne desastres, antecipa conflitos e evita gastos muitas vezes incalculáveis no futuro. No fim das contas, é mais barato para o Estado, para as empresas e para a sociedade.
