
Renato Porto — Presidente-executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma)
Um fenômeno se soma à automedicação como uma ameaça silenciosa à saúde do brasileiro: esse problema pode ser chamado de autoinformacionismo. Brasileiros acreditam que conseguem buscar nas mais diversas fontes todas as informações de que precisam para tomar decisões sobre sua saúde. As consequências são semelhantes, os riscos igualmente elevados.
Mas há um problema aqui. Esses são os mesmos brasileiros que dizem não acreditar nas fontes oficiais de informação sobre saúde, desconfiam das instituições tradicionais, não acreditam nas empresas, são reticentes com as descobertas da ciência e nem sempre seguem à risca a orientação de médicos e profissionais de saúde que os atendem.
Aqui está o paralelo entre automedicação e autoinformação: pessoas que se informam sobre saúde sem consultar os jornais, médicos, cientistas, instituições oficiais. Um fenômeno que se torna ainda mais dramático quando se acrescenta um ingrediente presente na realidade também já posta no Brasil e em outros países do mundo: as pessoas vinculam a credibilidade das informações sobre ciência e saúde às suas ideologias políticas. É um coquetel venenoso: desinformação, ceticismo e autoconfiança cega.
De acordo com a pesquisa feita pela Edelman (2025 Edelman Trust Barometer) em 16 países, incluindo o Brasil, nenhuma instituição é vista como plenamente confiável para cuidar da saúde das pessoas. No Brasil, apenas 54% confiam em empresas, 48% em ONGs, 39% na mídia e 38% no governo. As quatro caíram desde 2023 — um retrato claro da erosão da confiança.
O vácuo de credibilidade se preenche com a crença de que "eu mesmo sei onde encontrar informação confiável". A maioria dos brasileiros — e a média global também — acredita ser capaz de distinguir o que é bom ou mau conselho de saúde. Confiam mais em si do que nas instituições.
A autoinformação cresce, portanto, em um terreno fértil de desconfiança. E o dado mais revelador da pesquisa é que a influência de pares, amigos e familiares já rivaliza com a dos especialistas e médicos. No Brasil, 74% dos jovens dizem que amigos e familiares influenciam suas decisões de saúde — quase o mesmo índice dos que dizem confiar em médicos (82%) ou cientistas (72%).
Nos últimos 12 meses, quase 40% dos brasileiros admitiram ter ignorado orientações médicas para seguir conselhos de amigos ou informações vistas nas redes sociais. O comportamento é mais comum entre jovens e aumentou em relação ao ano anterior.
Mais da metade dos que vão regularmente ao médico — 55% — considera que o profissional "não está qualificado para cuidar de todas as dimensões da saúde", e, por isso, recorrem a fontes não institucionais: amigos, buscas on-line e redes sociais. É o retrato de um paciente que não rompe com o sistema, mas o contorna — que ouve o médico, mas confere no Google.
Entre os jovens, o fenômeno assume contornos de epidemia. Quatro em cada 10 (43%) afirmam seguir conselhos de pessoas sem formação médica formal. E 66% já se arrependeram de alguma decisão sobre saúde tomada com base em informação errada, principalmente obtida em plataformas de conteúdo de usuários (31%), amigos e familiares (23%) e publicidade de produtos (20%).
O arrependimento é o novo sintoma de uma doença cultural. Primeiro se desconfia das fontes tradicionais, depois se acredita saber mais do que elas, até o momento em que o erro custa caro. A automedicação é um risco para o corpo; a autoinformação, para a consciência e para a saúde pública.
Mas há um detalhe que ajuda a compreender por que os leigos ganham espaço. Quando perguntados sobre o que encontram em fontes não institucionais e não recebem do sistema formal, os brasileiros responderam: empatia, tempo, explicações compreensíveis, ausência de julgamentos e conveniência. O leigo não apenas informa — ele acolhe. Informações e estudos desenvolvidos pela Interfarma buscam ocupar esse lugar e qualificar as decisões de saúde. Só este ano levamos à sociedade informações sobre falsificação de medicamentos, propriedade intelectual, uso adequado e racional de agonistas de GLP1, processo incorporação de novas medicamentos, atraso no acesso à medicamentos, entre outros.
A autoinformação, portanto, não é um ato de rebeldia. É uma tentativa de preencher o silêncio. Quando o médico fala pouco, o influenciador fala muito. Quando a instituição se fecha, o algoritmo se oferece. O brasileiro ainda acredita no médico, mas se sente mais ouvido pelo amigo. A ciência ainda é respeitada, mas é o criador de conteúdo quem traduz. A informação correta ainda existe, mas chega tarde — e chega fria.
O autoinformacionismo na saúde mata, assim como o negacionismo ou a automedicação. Políticos, governos e instituições precisam enfrentar mais esse problema. Se não retomarem a autoridade moral e técnica da palavra pública, a desinformação ocupará definitivamente o lugar da ciência. E o custo será medido em vidas.
