ARTIGO

Do playground ao feed: desafios da proteção de crianças no ambiente digital

Estados enfrentam o mesmo desafio: garantir segurança em um ambiente digital que também é espaço legítimo de direitos de crianças e adolescentes

PRI-1412-OPINI -  (crédito: maurenilson)
PRI-1412-OPINI - (crédito: maurenilson)

» GEORGE LIMA, Especialista em direitos de criança se adolescentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

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"Quando você está triste, a internet pode te ajudar a ver coisas que alegram". A frase de uma criança consultada para a Observação Geral nº 25 do Comitê da ONU sobre os direitos da criança sintetiza uma realidade: é quase impossível imaginar a infância desconectada do mundo digital. Aprendizado, socialização e lazer ocorrem também on-line, ampliando oportunidades, mas trazendo novos riscos.

Este ano, o Brasil aprovou a Lei nº 15.211, que institui o ECA Digital e regula a proteção de crianças e adolescentes no ambiente virtual. Já a Austrália anunciou a entrada em vigor do Online Safety Amendment (Social Media Minimum Age) Act 2024, que fixa em 16 anos a idade mínima para criar contas em redes sociais. São respostas distintas a um mesmo desafio: garantir segurança em um ambiente digital que também é espaço legítimo de direitos.

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, 93% das pessoas entre 9 e 17 anos usam a internet — cerca de 25 milhões de crianças e adolescentes. Entre aquelas de 9 e 10 anos, 60% afirmaram ter perfil próprio em plataformas digitais e que acessam o seu conteúdo pelo menos uma vez por semana. O uso precoce expõe a riscos: 29% relataram situações ofensivas e 30% tiveram contato com desconhecidos on-line. O ambiente digital, portanto, é espaço de oportunidades e vulnerabilidades.

Entre os principais riscos, estão a intimidação virtual, o assédio, os discursos de ódio e a desinformação, que afetam o bem-estar emocional e a compreensão crítica da realidade. Persistem também o abuso e a exploração sexual on-line, que levaram diversos países a legislar sobre o tema, bem como o uso de técnicas de perfilamento de dados, apontadas pelo ECA Digital, que transformam jovens em alvo de estratégias comerciais invasivas.

Mas crianças e adolescentes não são apenas objetos de proteção — são sujeitos de direitos. A Convenção sobre os Direitos da Criança garante a liberdade de buscar, receber e difundir informações. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu informe Infância, liberdade de expressão e meios de comunicação, lembra que os Estados devem assegurar o acesso amplo e diverso aos meios de comunicação. Esses direitos, porém, precisam ser exercidos em ambiente seguro e de acordo com o princípio do interesse superior da criança.

Com o ECA Digital, o Brasil apostou em responsabilizar condutas nocivas, como a intimidação virtual e o assédio, e impor regras para as plataformas digitais, dialogando com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), cujo artigo 14 exige que os dados de crianças e adolescentes sejam tratados conforme o interesse superior. Já a Austrália aposta na restrição etária, aplicando multas a plataformas que permitam perfis de pessoas de idade inferior a 16 anos. Enquanto o Brasil prioriza o controle de danos e a regulação de dados, a Austrália investe na exclusão preventiva — medida que pode gerar barreiras de acesso e desafios técnicos.

Nas Américas, nenhum país adotou modelo restritivo similar. Há convergência em torno da proteção de dados — como no Canadá e nos Estados Unidos, que exigem consentimento parental para pessoas com menos de 13 anos — e no combate penal a crimes digitais, como grooming e assédio on-line, já tipificados em Argentina, Peru e Trinidad e Tobago.

A experiência internacional mostra que não há solução simples. Os Estados devem equilibrar liberdade e proteção, promovendo alfabetização digital sem impor restrições que silenciem vozes juvenis. Por isso, as políticas públicas devem ser proporcionais, transparentes e passíveis de revisão, além de construídas com participação de crianças e adolescentes, que são capazes de opinar sobre sua vida digital. A interseção entre tecnologia, liberdade e proteção exige criatividade regulatória e diálogo social contínuo.

As redes sociais são, também, ferramentas de expressão, mobilização e participação política. O desafio é torná-las acessíveis e seguras. O interesse superior da criança impõe proteger sem interditar, regular sem sufocar e permitir que suas vozes floresçam com dignidade. O equilíbrio entre proteção e promoção de direitos deve orientar as políticas públicas nas próximas décadas.

 

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postado em 14/12/2025 05:33
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