
Silvestre Gorgulho — jornalista, foi secretário de Estado de Comunicação e de Cultura de Brasília
A frustração de não ser músico me fez um chorão de primeira. Sinceramente, me sinto como o Geraldo Dias e o Paulo Romano, que também não são músicos, mas ajudaram a plantar o chorinho em Brasília, com a força musical e a competência artística da nossa eterna flautista Odette Ernest Dias.
Vale lembrar: foi em 1974, quando Odette Ernest Dias, mulher de Geraldo Dias, chegou a Brasília para ser professora da UnB, que o chorinho floresceu na capital da República.
O chorinho havia brotado, anos antes, na arte de João Tomé, Coqueiro, Avena de Castro e Celso Alves da Cruz. A partir das aulas na UnB, Odette Ernest Dias atraiu e congregou, em torno de si, vários músicos. Além do próprio Waldir Azevedo, outros como Celso Cruz, Bide da Flauta, Hamilton Costa, Nivaldo da Flauta, Pernambuco do Pandeiro, Lício da Flauta e Miudinho. A eles se juntaram músicos originários de outras regiões residentes na cidade, como Avena de Castro, Edgardo, Cicinato, Evandro Barcellos, Eli do Cavaco, Alencar Sete Cordas, Valério Xavier, Luizinho do Sax, Aquino da Clarineta, Dolores Tomé, Tio João do Trombone, Reco do Bandolim, Valdeci e o cavaquinista Francisco de Assis, o Doutor Six.
Todos passaram a frequentar as rodas de choro no apartamento de Geraldo e Odette, na 311 Sul. Geraldo era anfitrião das cervejas e tira-gostos. Odette anfitriã da arte, da cultura e da coordenação musical. Era como uma aula prática fora da UnB.
E o tempo passou… e o apartamento de Odette ficou pequeno... e mais gente buscava uma forma de participar dos encontros. O grupo achou por bem ter casa própria e até fazer shows com a cobrança de ingressos. O movimento pedia uma solução. E ela veio de forma transversa. Antônio Lício, economista e flautista das horas vagas, era assessor do então secretário-geral do Ministério da Agricultura, Paulo Afonso Romano. Admirador da boa música e por sugestão de Lício, Paulo Romano pediu um encontro com o governador Elmo Serejo, no Palácio do Buriti.
Bom baiano, Elmo Serejo recebeu o grupo de músicos com o maior entusiasmo. E abriu a conversa:
No que posso atendê-los?
Odette Ernest Dias, mais uma vez, deu o tom maior:
— Governador, queremos um terreno para fazer um galpão onde os chorões de Brasília possam se apresentar. É importante para nós músicos e será um ganho para a cidade.
— Terreno? E se eu arrumasse um local já construído que precisasse apenas de uma boa reforma, pois está abandonado desde que a Funarte o dispensou.
— Maravilha! Podemos ver?
— Agora! Vejam e voltem com a resposta. Mas lembrem-se: só posso ceder o espaço se vocês criarem uma entidade cultural.
E assim, por volta de 17 horas, o grupo se dirigiu ao local indicado, levado pelo clarinetista Valci Barbosa, assessor do governador. Era uma sala redonda, no subsolo do Centro de Convenções, que seria usada para exposições da Funarte, recém-criada pelo ministro Ney Braga, da Educação.
Valci voltou ao Buriti com a resposta positiva. E o grupo saiu atrás da burocracia para criar a entidade. Enquanto corria a reforma do espaço, o grupo passou a se reunir no bar Xereta, da 314 Sul.
Assim, em 9 de setembro de 1977, nasceu o Clube do Choro. O primeiro presidente estava no grupo: Avena de Castro. Vale lembrar que o local era pequeno, úmido e até mesmo inadequado, mas acolheu muito bem os chorões por 30 anos. Nesse tempo, a força do conteúdo, o prestígio dos músicos e a pujança cultural do projeto fizeram o Choro de Brasília reverberar pelo Brasil e mundo afora.
Em 30 de setembro de 2006, um dia antes do primeiro turno das eleições, por sugestão do então presidente do Clube do Choro, Reco do Bandolim, reuni na minha casa, na QI 5 do Lago Sul, 151 músicos ligados ao Clube do Choro, à UnB e à Escola de Música de Brasília. Da reunião participaram o candidato a governador de Brasília José Roberto Arruda, o maestro Júlio Medaglia, os arquitetos Carlos Magalhães da Silveira e Fernando Andrade, ambos do escritório de Oscar Niemeyer.
No encontro, Reco e Fernando Andrade apresentaram a maquete do novo Clube do Choro e da Escola de Choro Raphael Rabello. Naquela noite, colocou-se sobre a mesa um sonho e uma promessa: caso Arruda se elegesse, no primeiro dia de governo ele iniciaria com as formalidades burocráticas para a construção do projeto de Oscar Niemeyer.
Arruda eleito, fui ser o secretário de Estado da Cultura de Brasília. Coloquei todo meu esforço para cumprir a promessa. Cumprimos! Construímos um novo Clube do Choro, que é composto pela Escola Raphael Rabello (hoje com cerca de 1.200 alunos) e um anfiteatro para 470 lugares.
Tomei outras duas decisões fundamentais para a sustentabilidade do projeto: providenciei o Tombamento do Clube do Choro e, com o apoio do então procurador-geral do DF, Marcelo Galvão, passamos o complexo musical para o próprio Clube do Choro administrar.
A construção de Brasília teve o ritmo e o compasso da seresta e do rock. E foi no ritmo da música que os trabalhadores pioneiros flertaram com o amanhã.
Obrigado, JK, por ter plantado Brasília e por tê-la regado com a seresta de Dilermando Reis, Sílvio Caldas e a Sinfonia de Vinicius de Moraes e Tom Jobim.
Obrigado, Odette Ernest Dias. Você fez do choro um clube universal.

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