Kátia Cubel — Mestre em neuromarketing, mestre em comportamento não verbal, diretora da Engenho Comunicação, professora na Evidentia University
A visibilidade dada às Havaianas pela direita brasileira lembra o que aconteceu com a Nike, em 2018, nos Estados Unidos. Naquele ano, a marca esportiva escolheu como protagonista de um vídeo inspiracional o jogador de futebol americano Colin Kaepernick. Ele estrelou a campanha publicitária criada para celebrar os 30 anos do slogan Just do it. Atleta renomado, Kaepernick havia sido banido do esporte em 2017, em retaliação ao seu posicionamento político. E, assim como a atriz Fernanda Torres, Kaepernick é considerado ativista de esquerda.
Ele jogava como quarterback titular do San Francisco 49ers. Dava shows ao entrar em campo. Até que, em agosto de 2016, se recusou a ficar de pé durante a execução do Hino Nacional que precede competições esportivas. Sua atitude foi considerada desrespeitosa e antipatriótica. Mesmo assim, nos jogos seguintes, ele se manteve com o joelho no chão. Quando perguntado por que, respondeu que não se levantaria para reverenciar a bandeira de um país em que o racismo e a violência policial são tolerados. Foi excluído das ligas profissionais.
A posição corporal de Kaepernick, com o joelho no chão, tornou-se mundialmente conhecida, ao ser intencionalmente reproduzida por manifestantes durante protestos após a morte de George Floyd, em maio de 2020. Floyd foi imobilizado, e asfixiado, por um policial branco. O mundo alertava o mundo contra o racismo e a violência policial — as mesmas bandeiras de Kaepernick.
Os Estados Unidos têm cerca de 350 milhões de habitantes. O Brasil fecha 2025 com 213 milhões de pessoas. Além de um gigantesco mercado consumidor, dimensões territoriais continentais e reconhecida polarização política, ambas as nações oferecem em sua diversidade populacional matéria-prima valiosa para estudos comportamentais.
O cérebro humano se apega a marcas que representam seus valores e sentimentos. Segundo pesquisas de neuromarketing lideradas por Martin Lindstrom, gatilhos específicos intensificam a fidelização. Entre eles, sensação de pertencimento, poder sobre os inimigos, narrativas, grandeza, símbolos e rituais — atributos igualmente utilizados pela política, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
Assim como a Nike, as Havaianas perderam valor de mercado com a ameaça de boicote. A balança de perdas e ganhos para a companhia só será conhecida com o tempo. Nos Estados Unidos, as vendas e o valor de mercado da Nike cresceram. E a marca, após o episódio, ampliou e renovou seus clientes, alcançado a geração Z.
Mesmo em momentos diferentes, a mobilização política presenteou ambas as marcas com visibilidade, notoriedade e incremento de reputação. Lá, o chamado da direita, em 2018, levou a contundentes iniciativas públicas, amplamente noticiadas em horário nobre. Uma delas: atear fogo a pilhas de tênis descartados por cidadãos comuns de direita. Aqui, a reação foi menos intensa, restrita, principalmente, às redes sociais.
Mesmo sob ataque, as Havaianas saltaram de 4 milhões para 4,3 milhões de seguidores em seu perfil no Instagram. As Havaianas (assim como a Nike, em 2018), se tornaram protagonista de manchetes em todos os veículos de comunicação, de direita e de esquerda. E, por aqui, por dias consecutivos a marca é parte do noticiário político — espaço precioso dificilmente ocupado por um par de chinelos de dedos.
Estudiosos apostam que o buzz provocado pela militância política poderia ter os mesmos impactos se fosse deflagrado pelas correntes de esquerda. Nada assegura que militantes de direita, por comodismo ou outra razão qualquer, deixarão de consumir a marca assim que essa crise passar. Provavelmente, toda essa polêmica estará fora das trends antes de ser ano novo na Austrália. Mas deixa indícios sobre como nós, brasileiros, reagimos. E a marca... Ah, essa ganhou um presentão de Natal, embrulhado pelo extremismo político: impulsionamento, visibilidade e mais popularidade ainda.
