Visão do Correio

Soluções equilibradas para a exposição digital

O ambiente digital pode, sim, ser perverso. Ao mesmo tempo, oferece aos jovens um rico mundo de informações e conhecimento

São a cada dia mais contundentes — e irretorquíveis — os dados que mostram como o uso crescente de smartphones e tablets tem gerado efeitos danosos em crianças e adolescentes. Os problemas identificados por cientistas vão de impactos dolorosos sobre a saúde mental a duras consequências físicas. Esse arco de desafios inclui aumento de distúrbios de ansiedade, agravamento de problemas de sono e surgimento de disfunções alimentares. 

Na berlinda, estão não só as onipresentes redes sociais, mas jogos em rede com exigências cada vez maiores de tempo on-line e plataformas de vídeos com conteúdos inapropriados para cérebros ainda em desenvolvimento. Nem os mais pequenos escapam. Divulgado neste mês, o estudo "Proteção à primeira infância entre telas e mídias digitais" revelou que, no Brasil, o acesso à internet entre bebês e crianças na pré-escola passou de 11%, em 2015, para 23%, em 2024.

Também  em dezembro, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicou um informe revelando que jovens são, paradoxalmente, os que mais se internam por problemas de saúde mental e os que menos procuram ajuda. O estudo não tinha o objetivo de captar diretamente os impactos das interações digitais no bem-estar psíquico, mas os autores ressaltaram que há diversas pesquisas que "têm evidenciado que o uso intensivo das redes sociais se configura como um fenômeno social contemporâneo com potencial de gerar sofrimento psíquico entre jovens, afetando de forma diferenciada homens e mulheres." Depressão e cyberbullying aparecem com riscos mais recorrentes.

O problema, evidentemente, não é simples. O ambiente digital pode, sim, ser perverso. Ao mesmo tempo, oferece um rico mundo de informações e conhecimento. E é preciso lidar com a realidade de muitas famílias que se veem compelidas — por questões de segurança, por necessidade de comunicação rápida, pelo desejo de permitirem contatos dos filhos com amigos, a lista é interminável — a permitir o uso de aparelhos celulares por crianças cada vez mais jovens.

A situação não será enfrentada com eficácia se a complexidade do tema não for reconhecida. É possível, e até mesmo desejável, restringir severamente o uso de aparelhos eletrônicos por jovens? Basta a proibição de uso nas escolas, como adotado há pouco no Brasil? Ou a solução está no modelo que acaba de ser formalizado na Austrália, com a proibição de acesso de crianças e adolescentes até 16 anos às redes sociais? Há alguma opção menos drástica a ser considerada?

O que é inegável e incontornável é a urgência de famílias e autoridades públicas enfrentarem a questão. Com equilíbrio, sim, mas sem medo. O ano que termina viu ser sancionado pelo governo federal o Estatuto da Criança e do Adolescente Digital, o "ECA Digital". A norma define maiores responsabilidades para as plataformas de redes sociais, que deverão retirar conteúdos impróprios sem necessidade de ordem judicial e garantir ferramentas de controle para os pais; estabelece medidas de proteção para crianças e adolescentes em ambientes digitais, incluindo mecanismos de verificação de idade; e impõe restrições a conteúdos considerados impróprios.

A criação do Eca Digital é um avanço. A sociedade brasileira precisa analisar, contudo, se ele é suficiente ou ainda apenas um passo no caminho rumo a um ambiente digital devidamente saudável.

 


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