NAÇÕES UNIDAS

Brasil rebate pedido de investigação na ONU e ataca "tutela politizada"

Pela primeira vez no período democrático, o Brasil foi alvo de uma recomendação oficial para que o governo seja objeto de uma investigação internacional por suas políticas ambientais e de direitos humanos

Ingrid Soares
postado em 21/09/2020 14:15 / atualizado em 21/09/2020 14:17
 (crédito: Johannes Eisele/AFP - 24/9/19)
(crédito: Johannes Eisele/AFP - 24/9/19)

Um dia antes da fala do presidente Jair Bolsonaro na abertura oficial da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a embaixadora do Brasil no órgão, Maria Nazareth Farani Azevedo, disse nesta segunda-feira (21/9) que "o Brasil não vai se submeter à tutela politizada, disfarçada de um mandato técnico". A informação é do colunista Jamil Chade, do UOL.

A fala da diplomata foi uma crítica explícita aos mecanismos das Nações Unidas. Segundo a publicação, pela primeira vez no período democrático, o Brasil foi alvo de uma recomendação oficial para que o governo seja objeto de uma investigação internacional por suas políticas ambientais e de direitos humanos.

A forma como Bolsonaro se portou diante da crise de saúde, minimizando a importância das recomendações de autoridades sanitárias para conter a proliferação do vírus — como a utilização de máscaras faciais e o distanciamento social —, influenciou um documento produzido pelo relator especial da ONU sobre direitos humanos e substâncias e resíduos tóxicos, Baskut Tuncak, que deve ser apresentado no decorrer das duas semanas de duração do evento.

No texto, Tuncak não cita o nome do presidente do Brasil, mas condena que alguns líderes políticos “chegaram ao ponto de tratar o vírus como uma gripezinha” e critica que eles “rejeitaram publicamente recomendações de cientistas e da OMS (Organização Mundial da Saúde), espalharam informações errôneas e minimizaram o risco, contribuindo para a subestimação da pandemia”.

O relator especial ainda reclama que alguns governos citaram “covardemente a incerteza científica e narrativas financeiras incompletas para atrasar a tomada de medidas que são desfavoráveis a interesses poderosos”.

“Em vez de seguir os conselhos científicos para adotar medidas mais rigorosas de teste e contenção, certos líderes do governo apresentaram argumentos desonestos em apoio a suas abordagens, particularmente a justificação econômica de não impor um confinamento, sacrificando efetivamente a vida de seus cidadãos, em particular comunidades de baixa renda e minorias, trabalhadores e pessoas idosas”, escreveu Tuncak no relatório, que teve trechos divulgados pelo portal.

Como Tunkat concluiu o mandato, o informe será apresentado pelo novo relator, Marcos Orellana, que, nesta segunda, defendeu a abertura de um inquérito diante dos ataques contra o meio ambiente e direitos humanos que continuam no Brasil. "O país foi por muitos anos uma liderança. Mas, tristemente, está em uma regressão profunda. Sem um controle, a situação no Brasil não será apenas uma calamidade ao país, mas uma ameaça global”, apontou.

A diplomata Maria Nazareth Farani Azevedo por sua vez, defendeu a soberania do país e argumentou que as recomendações do relator sobre um inquérito ou a realização de uma sessão especial "claramente ultrapassa seu mandato". Ela não conseguiu finalizar o discurso por conta do tempo determinado para cada participante. 

Amazônia e Pantanal

O presidente Jair Bolsonaro segue negando os estragos das queimadas pelo Brasil. O chefe do Executivo voltou a dizer que o país é exemplo para o mundo na questão ambiental, apesar de pesquisas mostrarem que os incêndios têm aumentado no Pantanal e na Amazônia. A declaração ocorreu no último dia 18.

Bolsonaro disse ainda que há "alguns focos de incêndio pelo país" e que isso "tem ocorrido ao longo dos anos". "E temos sofrido uma crítica muito grande. Porque, obviamente, quanto mais nos atacarem, mais interessa aos nossos concorrentes, para aquilo que temos de melhor, que é o nosso agronegócio", destacou.

Em referência às críticas de outros países sobre as queimadas no Pantanal e na Amazônia, Bolsonaro rebateu ressaltando que o Brasil "é um exemplo para o mundo". E alfinetou. "Países outros que nos criticam não têm problema de queimada porque já queimaram tudo no seu país. Temos a matriz mais limpa energética do mundo. Nós, proporcionalmente, ocupamos uma menor área para agricultura ou para a pecuária do que qualquer outro país do mundo. Nós somos um exemplo para o mundo”, justificou.

Ainda na semana passada, a França se opôs ao acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul do modo como está estabelecido. O governo alegou impacto ambiental e a falta de medidas para garantir que os compromissos contra o desmatamento sejam levados a cabo.

No mesmo dia, após um estudo encomendado pelo governo francês apontar que o desmatamento poderia aumentar por conta das maiores exportações do Brasil, o primeiro-ministro da França, Jean Castex, se manifestou por meio das redes sociais e escreveu que "o desmatamento ameaça a biodiversidade e perturba o clima. O relatório apresentado confirma a posição da França de se opor ao projeto de acordo UE-Mercosul, tal como está. A consistência dos compromissos ambientais do nosso país e da Europa depende disso”, alegou.

Os dados do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam para dias ainda mais trágicos. Em agosto, foram registrados quase 30 mil focos de fogo na Amazônia e a maior queimada em uma década no Pantanal. Apenas nas duas primeiras semanas deste mês, foram contabilizados mais de 20 mil focos de queimadas na Amazônia, o que significa um aumento de 86% na comparação com os registros do mesmo de período de 2019.

No número acumulado, a quantidade de focos de calor no bioma de 1º de janeiro até 14 de setembro é 12% maior do que a de 2019 (quando os dados já eram alarmantes) e 28% a mais do que a média dos últimos três anos. Já quando a comparação é em relação aos últimos 10 anos, a média de queimadas na Amazônia é de um impressionante 43% maior em 2020.

No Pantanal a situação é ainda mais grave. Até agosto deste ano, o fogo já tinha atingido uma área de mais de 1,8 milhão de hectares no Pantanal, o que representa 12% do tamanho total do bioma. Porém, ao virar o mês, o problema só aumentou: nos 14 primeiros dias de setembro foram registrados 5,3 mil focos de calor, praticamente o mesmo número do mês inteiro de agosto, com 5.935 pontos. Dessa forma, setembro será o mês com maior número de focos de queimadas no Pantanal desde o início do monitoramento, em 1998.

Discurso na ONU

Na véspera de discursar na 75ª sessão da Assembleia Geral ONU, uma semana após a solenidade de abertura do evento, Bolsonaro deverá focar parte do discurso na resposta às críticas que o governo tem sofrido por conta dos índices de queimadas na Floresta Amazônica e, agora, no Pantanal. Na última semana, Bolsonaro contou que gravou o discurso e relembrou a fala de 2019.

“No ano passado, vale a pena recordar, falamos do agronegócio, falamos da potencialidade de nosso país, e falamos também que era inadmissível o país ter a quantidade que tinha de terras demarcadas para índios e quilombolas. Os índios são nossos irmãos, são nossos parceiros, eles merecem a sua terra, mas dentro de sua razoabilidade. A ONU queria, conforme detectado, que nós passássemos de 14% para 20%. Falei-lhes: não. Nós não podemos sufocar aquilo que nós temos aqui, que tem nos garantido a nossa segurança alimentar e de mais de um bilhão de pessoas no mundo”, concluiu.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação