Meio ambiente

Parlamentares criticam fala de ministra sobre bois no Pantanal

Ministra da Agricultura, Tereza Cristina reforça a tese do governo de que o avanço da pecuária é um fator importante para impedir queimadas. Declaração repercute mal no Congresso. Comissão do Senado quer inclusão do Pantanal no Conselho da Amazônia

Alessandra Azevedo
postado em 10/10/2020 07:00
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, acredita que, se houvesse mais gado no Pantanal, os incêndios que devastam o bioma há mais de dois meses poderiam ser menores. Segundo ela, quando os bois comem capim seco ou inflamável, impedem que o fogo avance. A ministra expôs o seu ponto de vista ontem, em audiência pública na comissão externa do Senado que discute as queimadas no Pantanal.

O aumento no número de focos de incêndio aconteceu por excesso de matéria orgânica seca, disse Tereza Cristina. “Talvez, se nós tivéssemos um pouco mais de gado no Pantanal, teria sido um desastre até menor do que o que nós tivemos neste ano”, afirmou. “Eu falo uma coisa que às vezes as pessoas criticam, mas o boi ajuda, ele é o bombeiro do Pantanal, porque é ele que come aquela massa do capim”, continuou a ministra.

Segundo Tereza Cristina, o gado come a massa orgânica "para não deixar que ocorra o que neste ano nós tivemos" — ou seja, o número mais alto de incêndios no Pantanal na história. Até o último sábado, 3,9 milhões de hectares do bioma haviam sido devastados pelas queimadas, de acordo com o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).

A ministra comentou que a falta de água piora a situação. A região do Pantanal vive a pior seca dos últimos 60 anos, pelos dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). "Com a seca, a água do subsolo também baixou em seus níveis. Essa massa virou o quê? Um material altamente combustível, incendiário", apontou. Ela não mencionou, no entanto, a possibilidade de indução de queimadas de forma proposital, para abrir espaço para pastagem.

Não é a primeira vez que o governo defende a teoria dos “bois bombeiros”. O presidente Jair Bolsonaro também mencionou, em agosto, que “se o gado não come capim em determinadas áreas, acumula capim seco e graveto sem vida e, quando vem o fogo (...), vai embora”. A mesma teoria é compartilhada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. “A pecuária ajuda a diminuir a matéria orgânica porque o gado come pasto e não deixa acumular”, disse, em live com Bolsonaro, em setembro.

A fala repercutiu mal no Congresso. Vários parlamentares criticaram o posicionamento do Executivo, exposto, dessa vez, pela ministra da Agricultura. “Mais uma declaração absurda desse governo, que adora uma boiada como solução para os problemas ambientais”, comentou a deputada Talíria Petrone (PSol-RJ), no Twitter. Para o deputado Rogério Correia (PT-MG), esse tipo de declaração é um “deboche na cara da população”.

Também na rede social, o deputado Marcelo Freixo (PSol-RJ) classificou como “trágico” o comentário de Tereza Cristina. “Depois do 'se não investigar corrupção, não tem corrupção', agora o desgoverno vem com o 'se destruir a floresta, não tem queimadas em florestas", escreveu. O correligionário David Miranda (RJ) concordou. “Isso mostra a intenção deles. Até porque, 'se não houver floresta nem Pantanal, não tem mais queimada nem desmatamento'”, afirmou.

As queimadas no Pantanal duram mais de dois meses e batem recorde. Até o último dia 3, 3,9 milhões de hectares do Pantanal haviam sido devastados pelas queimadas, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). A área destruída representa 26% do bioma. Desde janeiro, o Inpe registrou mais de 17 mil focos de calor no Pantanal, número maior do que os 10 mil focos registrados em todo o ano de 2019.

Amazônia

A comissão externa do Senado quer apoio do presidente Jair Bolsonaro para incluir o bioma Pantanal nas atribuições do Conselho Nacional da Amazônia Legal até 2025. A sugestão foi aprovada oficialmente ontem. O mesmo pedido já havia sido enviado pelo Senado ao Executivo em agosto, mas não foi atendido. A intenção, agora, é apresentar a demanda pessoalmente ao chefe do Executivo nas próximas semanas.

Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), autora da proposta, a inclusão representará “o verdadeiro compromisso do governo federal”. Segundo ela, a medida seria uma forma de garantir ações de prevenção e combate a incêndios. A ministra disse não ver problemas na sugestão, mas afirmou que a questão também precisa ser discutida com o vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho da Amazônia Legal.

 

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STF arquiva notícia-crime contra Salles

 (crédito:              Marcelo Ferreira/CB/D.A Press                       )
crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinou o arquivamento de notícia-crime apresentada contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em razão de sua manifestação na reunião ministerial de abril. Na ocasião, o ministro disse que o governo federal deveria aproveitar a “oportunidade” da pandemia do novo coronavírus para “ir passando a boiada” em regulações ambientais. Após a divulgação das imagens, o ministro afirmou que estava defendendo a flexibilização de normas, dentro da legalidade.

A petição havia sido encaminhada ao Supremo pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Fabiano Contarato (Rede-ES) e pelos deputados federais Joênia Wapichana (Rede-RR) e Alessandro Molon (PSB-RJ). O documento apontava suposto cometimento dos crimes de prevaricação, advocacia administrativa e também de responsabilidade.

“Assim, tendo o Ministério Público se manifestado pela negativa de seguimento à petição, notadamente em razão da ausência de indícios mínimos da ocorrência de ilícito penal, determino o arquivamento desta notícia-crime”", registrou Moraes.


Queimadas prejudicam produtores

As queimadas não interessam ao agronegócio, diferentemente do que acusa o discurso ambientalista. Em entrevista ao programa CB Agro, o diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Daniel Carrara, ressaltou o prejuízo que os incêndios provocam neste setor importante da economia. “Quando acontece a queimada, o prejuízo é do produtor, porque o solo fica inerte, ele fica infértil biologicamente. Então, o produtor é penalizado, há diversas fazendas com gado e casas queimadas. A técnica da queimada existe e é até recomendável em algumas situações, mas precisa ser feito o acerto, deve ser um dia fresco, preferencialmente quando está perto de chover. Essas técnicas estão sendo substituídas por outras mais conservacionistas. Principalmente nessa época de muita ventania e tempo seco, é mais fácil perder o controle”, adverte.

Na avaliação de Carrara, existem técnicas específicas e corretas para se fazer queimada, e biomas que reagem bem aos incêndios. “O cerrado é muito resiliente, tanto que a queima desse bioma não é um acontecimento raro de ocorrer naturalmente. Por isso, as árvores têm a característica das cascas mais grossas, recuperam-se mais rápido das queimadas. A pastagem, dependendo do volume de queima, tem que ser refeita”, explicou o especialista.

Carrara defende cautela no debate sobre queimadas e produção agrícola. “Você não pode ter uma postura negacionista, mas, por outro lado, a gente sabe que tem um interesse comercial muito grande, principalmente dos países que competem conosco. Impedir a entrada da carne brasileira em determinado país pode ser por questão ambiental, mas a maior parte das vezes tem a ver com a falta de capacidade de competição dos nossos concorrentes lá fora. Isso principalmente na Europa. É óbvio que a gente precisa fazer o nosso dever de casa, o governo federal montou uma estrutura de combate aos incêndios e ao desmatamento ilegal. E precisamos deixar claro a diferença entre o desmatamento ilegal e legal, porque o Código Florestal permite um percentual de desmatamento, e, às vezes o pedido está guardado dentro de uma secretaria há 15 anos. O produtor precisa sobreviver”, pondera.

O diretor-geral do Senar afirma que o Brasil tem problemas, mas a situação não está descontrolada. “Precisamos identificar os responsáveis por essas ações (ilegais). E isso vem acontecendo com muita frequência, o Senar não atesta nenhuma ação ilegal, mas, também, não atestamos que o Brasil Agro todo esteja pegando fogo. Hoje está pegando fogo no Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, no Pantanal, na Amazônia, na África do Sul e há pouco tempo nos Estados Unidos. Ou seja, não é um privilégio nosso pegar fogo, e também não é desejável que isso aconteça”, finaliza.

A fim de auxiliar os produtores rurais no correto manuseio do solo, Carrara informa que o Senar oferece diversos cursos de capacitação.

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