STF

Dissertação de Kassio Marques tem trechos iguais a textos de outro autor

Informações foram divulgadas pela revista Crusoé e jornal O Globo, e confirmadas pelo Correio. Desembargador foi indicado ao Supremo Tribunal Federal pelo presidente Bolsonaro

A dissertação de mestrado do desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), Kassio Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), possui trechos idênticos aos de artigos de outro autor, o advogado Saul Tourinho Leal. Os textos do defensor estão em um site focado em publicação de artigos sobre assuntos jurídicos, e não constam na referência bibliográfica da dissertação de Marques.

As informações foram divulgadas pela revista Crusoé e pelo jornal O Globo, e confirmadas pelo Correio. Ao menos três trechos de artigos diferentes do advogado, publicados em 2011, são iguais ou muito parecidos a parágrafos da dissertação do desembargador na Universidade Autônoma de Lisboa, em Portugal. O título da tese, que consta no repositório institucional da academia, é: "Concretização Judicial do Direito à Saúde: um contributo à sua efetivação no Brasil a partir das experiências jurisprudenciais no Direito Comparado e nas matrizes teóricas portuguesas”, datada de janeiro de 2015.

Como mostrado pela revista Crusoé, o Correio também observou que dentro da propriedade do documento de PDF da dissertação de Marques consta como autor o nome “Saul”.

Um dos textos do advogado, “O princípio da busca da felicidade e o direito à saúde”, elaborado e publicado em junho de 2011, tem o seguinte trecho: “Mas é interessante notar a relevância que a Corte Constitucional colombiana confere para a dor, para o sofrimento e para a iminência da morte. Uma senhora sofria de uma lesão na coluna vertebral e necessitava de cirurgia. Com a demora na prestação do serviço e com a dor que a impedia, inclusive de subir e descer escadas, ela ajuizou ação pleiteando a realização da cirurgia. Segundo a Corte Constitucional, quando uma entidade se nega a prestar um serviço requerido por uma pessoa para eliminar, ou ao menos mitigar, as dores e sofrimentos que são produzidas por uma enfermidade, ela submete a pessoa a tratamentos cruéis e desumanos.

A tese de Marques diz o seguinte: “Interessante notar a relevância que a Corte Constitucional colombiana confere para a dor, para o sofrimento e para a iminência da morte. Uma senhora sofria de lesão na coluna vertebral e deveria sofrer um procedimento cirúrgico. Ante a delonga na prestação do serviço e à dor que a impedia de subir e descer escadas, interpôs uma ação de tutela com o objetivo de que se ordenasse a operação. A Corte Constitucional precisou que, quando uma entidade se nega a prestar um serviço que requer uma pessoa, para eliminar, ou ao menos mitigar, as dores e sofrimentos que são produzidas por uma enfermidade, submete a pessoa a tratamentos cruéis e desumanos.

“Ativismo judicial: as experiências brasileira e sul africana no combate à AIDS”, publicado por Saul em maio de 2011, traz citações do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e a tese de Marques retira as mesmas frases entre aspas, com os mesmos inícios de parágrafo.

No texto de Saul, por exemplo, consta: “Percorrendo a legislação federal e a Constituição, o Ministro afirmou que ‘a Lei Federal n. 9.313/96 garante o acesso aos medicamentos antirretrovirais pelo SUS para todas as pessoas acometidas pela doença. A Constituição indica os valores a serem priorizados, corroborada pelo disposto nas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90. Tais determinações devem ser seriamente consideradas quando da formulação orçamentária, pois representam comandos vinculativos para o poder público’. Quanto à alegação da União de lesão à economia pública pelo fato de ter que fornecer um remédio ao paciente soropositivo, o Ministro registrou que (...)”. O texto de Marques traz o trecho idêntico.

Outro artigo, intitulado “Direito à saúde: cidadania constitucional e reação judicial”, diz que “a Constituição da Índia, no seu art. 37, ao falar de direitos sociais, diz-se que”, e continua com uma citação. Na tese de Marques, a fórmula é repetida.

Saul então, pontua que “no caso indiano, o constituinte estabeleceu previsão expressa acerca do conteúdo meramente programático dos direitos sociais, não só endereçando-os exclusivamente ao governo do país, mas vedando, taxativamente, a inserção do Poder Judiciário nas discussões relativas à concretização do direito à saúde. Não foi o que aconteceu no Brasil.”.

Marques, por sua vez, completa em sua dissertação: “O constituinte estabeleceu previsão acerca do conteúdo meramente programático dos direitos sociais, não só endereçando-os exclusivamente ao governo do país, mas vedando, taxativamente, a inserção, do Poder Judiciário, nas discussões relativas à concretização do direito à saúde. Não foi o que aconteceu no Brasil.”

Mesmo erro de digitação

O parágrafo seguinte de Saul diz que “não é só a Constituição da Índia que traz dispositivo afastando o Poder Judiciário do debate acerca da concretização de direitos sociais”. Nunes diz a mesma coisa, e o trecho que segue tem até o mesmo erro de digitação de Saul. O advogado escreveu que o “art. 101 da Constituição da Naníbia diz que (...)”. Marques também escreveu de forma errada o nome do país, “Naníbia”, quando o correto é Namíbia.

A reportagem encontrou em contato com o desembargador, mas não obteve resposta. Encaminhou, então, pedido de informações ao TRF1, que informou o repasse da solicitação à assessoria de Marques, mas também não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.

"Relação acadêmica"

O advogado Saul Leal divulgou uma nota na qual nega a existência de plágio. Confira na íntegra:

Em relação às informações divulgadas nesta quarta-feira (7), venho a público esclarecer que há anos nutro uma relação acadêmica com o desembargador Kassio Marques, cuja trajetória profissional e acadêmica é orgulho para os juristas do Piauí, do Nordeste e do Brasil.

Os artigos acadêmicos citados na referida reportagem são frutos de debates, discussões e troca de informações acadêmicas, que, em conjunto com o desembargador Kassio Marques, constituíram um acervo doutrinário comum para ser utilizado na produção acadêmica de ambos. Por isso, são infundadas as acusações feitas pela reportagem.

No presente caso, as ideias expostas na dissertação do Desembargador Kassio Marques são de sua autoria, até porque, temos linhas doutrinárias absolutamente divergentes, guardando em comum tão somente parte do acervo pesquisado, fruto do esforço mútuo dos autores.

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