Governo

Bolsonaro reforça rede de blindagem com eleição de Lira e Pacheco

Com a vitória de aliados no Senado e na Câmara, presidente amplia as bases de proteção para evitar ataques políticos e jurídicos contra ele e os filhos. Enquanto críticos veem aparelhamento, governistas consideram movimentos naturais

Jorge Vasconcellos
postado em 07/02/2021 06:00
 (crédito: Alan Santos/PR)
(crédito: Alan Santos/PR)

Em pouco mais de dois anos como presidente, Jair Bolsonaro conseguiu tecer uma rede de aliados na cúpula das principais instituições do país. O resultado das eleições para os comandos das duas Casas do Congresso, vencidas por parlamentares apoiados pelo Palácio do Planalto, foi a costura mais importante de um presidente constantemente preocupado em construir uma blindagem em torno de si.

A chegada de Arthur Lira (PP-AL) e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) às presidências da Câmara e do Senado, respectivamente, reforçou sobremaneira a proteção de Bolsonaro contra possíveis consequências — políticas e jurídicas — de seus atos e de membros de sua família. Antes de conquistar a cúpula do Congresso, o presidente já havia conseguido posicionar aliados à frente de órgãos como a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Polícia Federal (PF), a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a Receita Federal.

A vitória de aliados no Congresso ocorre no momento em que aumentam as pressões para que a Câmara dê encaminhamento aos mais de 60 pedidos de impeachment protocolados contra o presidente, a maioria apontando o cometimento de crimes de responsabilidade durante a pandemia da covid-19.

A rede de proteção em torno de Bolsonaro vem se ampliando à medida que avançam investigações contra ele e seus filhos — o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Enquanto o presidente é investigado, no Supremo Tribunal Federal (STF), por suspeita de interferência política na Polícia Federal, os filhos estão entre os alvos de inquéritos que apuram, na mesma Corte, a disseminação de fake news e o financiamento de atos antidemocráticos.

Rachadinha

Alçado ao posto de procurador-geral da República por Bolsonaro, Augusto Aras enfrenta uma avalanche de críticas, dentro e fora do Ministério Público Federal (MPF), por sua atuação à frente do órgão, considerada favorável aos interesses do presidente. O procurador tem tido a independência questionada desde que tomou posse, pois seu nome não constava da lista tríplice de indicados para o cargo, elaborada a partir de eleição interna da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR).

Depende de decisões de Aras, por exemplo, o desfecho da apuração sobre o uso da estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Receita Federal para orientar advogados de Flávio Bolsonaro. O parlamentar foi denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita, no âmbito do caso Queiroz.

Sobre as denúncias envolvendo os dois órgãos federais, divulgadas pela revista Época, Aras disse que elas são “graves”, mas “ainda não foram provadas”. Além disso, o PGR pediu informações aos dois órgãos e convocou o repórter Guilherme Amado, autor da série de reportagens, para depor — o jornalista não compareceu. Até o momento, no entanto, o procurador-geral não tomou qualquer providência para ouvir Flávio Bolsonaro.

Agrado às polícias

Na busca para ampliar o círculo de aliados, o presidente também tem se aproximado de policiais de baixa patente. Desde antes da campanha presidencial de 2018, por exemplo, Bolsonaro participa de formaturas desses agentes em todo o país. Paralelamente, dentro dessa mesma estratégia, o Ministério da Justiça deu sinal verde às discussões para embasar dois projetos de lei que, se aprovados no Congresso, abrirão caminho para uma possível subordinação das corporações policiais à União.

A ideia é aproveitar brechas no texto constitucional, segundo o qual as polícias subordinam-se não só aos estados, mas também à União, pois são forças auxiliares do Exército. Segundo especialistas, caso o projeto discutido pelo ministério se torne lei, o Exército poderá, por exemplo, substituir o comandante da Polícia Militar de determinado estado. Governadores como João Doria (PSDB), de São Paulo, e Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, criticaram a proposta e disseram temer que ela atenda às ambições autoritárias do presidente.

Oposição enfraquecida

A vitória de Bolsonaro nas eleições recentes do Congresso Nacional, além de oferecer uma blindagem contra o impeachment, enfraquece a oposição. O caminho ficou mais difícil para adversários que pretendiam construir um polo de oposição de centro-direita com vistas às eleições de 2022. O racha entre o PSDB e o DEM na Câmara, por exemplo, praticamente inviabilizou a sobrevivência desse bloco.

Uma das principais dúvidas, no entanto, é sobre até quando o centrão, chefiado pelo deputado Arthur Lira, garantirá essa sustentação ao presidente. Colecionando vitórias desde as últimas eleições municipais, esse grupo deve aumentar o valor da fatura a ser cobrada, e não se sabe até quando o Planalto terá disposição e condições para pagá-la com mais verbas e espaço no governo.

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Estilo personalista de governar

Luis Felipe Miguel, professor do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê), diz que Bolsonaro vem promovendo um aparelhamento das instituições. “O fato de ele [Bolsonaro] estar colocando pessoas em cargos-chave, da forma como está colocando, num aparelhamento tão evidente do Estado, tem a ver com essa prioridade pessoal dele, de proteger a si e a sua família. E é algo, inclusive, que incomoda. Porque você pega uma pessoa como Augusto Aras, para ser procurador-geral da República, é uma coisa assim. Não existe um mínimo de fachada, de respeito ao funcionamento legal das instituições. É um aparelhamento aberto”, avalia o docente, autor, entre outros livros, de O Colapso da Democracia no Brasil (Expressão Popular).

“O aparelhamento da Polícia Federal, por exemplo, que é uma obsessão do Bolsonaro, responde à agenda pessoal dele. Você vê os órgãos do governo federal agindo como advogados pessoais dos familiares do presidente”, acrescenta o professor. Ele citou como exemplo o Ministério da Justiça, um órgão que, tradicionalmente, atua para debelar crises políticas e que, hoje, ao contrário, tem protagonizado embates com outras instituições e ameaçado críticos do presidente com investigações.

Em outro esforço de blindagem, o presidente da República insiste em vincular as Forças Armadas ao governo e a sugerir a intervenção dos militares em situações de crise institucional, embora não haja previsão constitucional para esse tipo de atuação. Para analistas e representantes da oposição, é uma forma de intimidação ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso.

“Existia a expectativa de que o Bolsonaro fosse ser um fantoche, de que o Mourão [Hamilton Mourão (PRTB), vice-presidente da República] teria mais responsabilidades e que todos os generais estariam por perto. O Bolsonaro calou o Mourão. O Mourão está mais cuidadoso, e cada vez que pisa fora da linha, recebe um esculacho e se retrai. O Bolsonaro afastou os generais que mostravam mais independência dele; eles foram retirados do governo”, avalia Luis Felipe Miguel.

“Ao mesmo tempo, o presidente colocou o Pazuello [Eduardo Pazuello, ministro da Saúde], gestor direto dessa calamidade na saúde pública, um general da ativa que representa um comprometimento do Exército com o governo nas suas áreas de maior desgaste, mais sensíveis, sendo que o Pazuello não tem autoridade, não tem autonomia nenhuma. Ele simplesmente cumpre o que o Bolsonaro determina”, acrescenta o docente. Ele também frisa que há uma parte do generalato incomodada com a alta exposição dos militares no governo Bolsonaro.

Pessoas de confiança

Os defensores de Bolsonaro consideram naturais os movimentos do presidente. Para o deputado Bibo Nunes (PSL-RS), um dos parlamentares mais próximos do chefe do Planalto, o mandatário não está aparelhando as instituições, apenas se cercando de pessoas de sua confiança. “Eu acredito que qualquer presidente tem que se cercar da melhor maneira possível. Ele não vai estar colocando em cargos vitais para o governo uma Maria do Rosário [deputada federal pelo PT-RS], por exemplo, não vai botar lá uma Fernanda Melchionna [deputada federal pelo PSOL-RS], ou pessoas que não sejam do seu lado. Eu acredito que isso aí seja até um instinto de sobrevivência política, natural para quem esteja no comando do governo. Ele tem que se cercar de pessoas que sejam favoráveis a ele”, considera o deputado.

Sobre o fato de Bolsonaro não ter levado em conta a lista tríplice da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) para escolher Augusto Aras, interrompendo um rito iniciado no governo Lula (PT), o parlamentar disse que o presidente não tem obrigação de seguir uma tradição da esquerda. “Aí eu concordo com o presidente. Ele não tem que seguir a cultura da esquerda. Não é lei, ele não tem que seguir um costume da esquerda, e isso não fere a independência do procurador”, afirma Nunes.

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