PAUTA DE COSTUME

Ministro da Justiça quer retomar discussão sobre excludente de ilicitude

Questão já é prevista em lei, mas governo tentou ampliar no pacote anticrime, em 2019. Pela proposta, agentes de segurança que agissem com excesso poderiam não ser punidos

Carlos Alexandre de Souza
Ana Dubeux
Sarah Teófilo
Denise Rothenburg
postado em 30/04/2021 20:35 / atualizado em 30/04/2021 20:52
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press          )
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press )

O novo ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, quer retomar algumas das chamadas ‘pautas de costume’ do governo do presidente Jair Bolsonaro. Uma delas é o excludente de ilicitude (exclusão de punição em casos específicos) para policiais, questão que já foi debatida e rejeitada na Câmara dos Deputados em 2019. “O policial não pode ficar mais com tanto medo de trabalhar como ele tem hoje”, defende o ministro.

O ‘excludente de ilicitude’, na verdade, já é previsto no Código Penal, que em seu artigo 23 prevê que “não há crime quando o agente pratica o fato: em estado de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. O que o governo quer é ampliar o excludente de ilicitude.

A questão foi apresentada no pacote anticrime proposto pelo ex-ministro Sergio Moro, em 2019, mas foi rejeitada pela Câmara dos Deputados. Era considerado um dos pontos mais polêmicos do pacote. A proposta previa que juízes poderiam reduzir pela metade ou até deixar de aplicar a pena para agentes de segurança pública que agissem com “excesso” motivado por “medo, surpresa ou violenta emoção”.

Em dezembro do ano passado, o presidente disse que pretendia incluir o assunto para discussão no Congresso novamente. Bolsonaro perdeu o apoio das categorias da Segurança Pública depois da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial e a Reforma da previdência, que atingiu os policiais. Agora, a um ano e meio das eleições, tenta retomar.

A escolha de Anderson Torres não foi por um acaso: o primeiro delegado da Polícia Federal a ocupar o cargo de ministro da Justiça está há 10 anos longe da atividade-fim, tendo atuado nesse meio tempo no Congresso e como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, posto que ocupava antes de assumir pasta do governo federal. A sua nomeação foi elogiada pela Bancada da Bala na Câmara e nesta semana, por exemplo, o ministro se reuniu com integrantes da bancada para receber demandas das categorias.

Confira o trecho da entrevista concedida ao Correio:

E o polêmico excludente de ilicitude?

O excludente de ilicitude, eu te digo uma coisa: alguma coisa precisa acontecer. O policial não pode ficar mais com tanto medo de trabalhar como ele tem hoje. Falo isso porque eu sou policial. A gente não pode… Não é como uns e outros disseram, uma licença para matar. Não existe isso. É um excludente de ilicitude. O que pode acontecer: você pode errar no seu trabalho. Tá certo que o erro do policial pode ser muito grave, mas ele precisa ter algum tipo de cobertura.

Eu tô falando isso para 99,9% dos policiais brasileiros, que são honestos, pais de família, sai de casa todo dia de manhã para trabalhar com medo, sem saber se vai, se não vai, se saca a arma, se não saca a arma, se usa uma algema, se não usa. Isso precisa ser resolvido de uma vez, ter legislação sobre isso, para que ele tenha uma segurança para trabalhar. E isso hoje não existe no Brasil. Então, o excludente de ilicitude veio nesse sentido quando foi criada, e a gente vai rediscutir isso muito em breve.

Mas não significa que um policial que mate no exercício da função ele vai preso, ou ele vai ser punido. Apenas que serão apuradas as circunstâncias...

Precisa ter circunstâncias diferentes. Ele é um policial. Ele precisa ter circunstâncias diferentes do que um cidadão comum. A arma de um policial é o instrumento de trabalho dele, não é um enfeite. É diferente. É muito difícil, talvez, para você entender isso. Mas para mim, que sou policial há 22 anos, é muito fácil entender isso. Todo dia de manhã, quando você vai pegar a sua arma, pede a Deus para que nada aconteça. E o policial que se vê numa situação de troca de tiro, ao final daquilo, quando ele chega na delegacia para responder, aquilo ali já está na cabeça dele: ‘eu vou passar fome’. Aí ele está na mão de muitos entendimentos.

É isso que eu quero acabar. Não quero muitos entendimentos. Eu quero: ‘Fez isso, acontece isso, isso e isso’. Não tem mais condições disso aí acontecer, o país já evoluiu muito e precisa evoluir nisso também.


O Brasil é um país com grupos de extermínio. Isso não pode incentivar esse tipo de coisa?

Nós não podemos partir da exceção para fazer a regra. Estou falando de 99,9%. Os grupos de extermínio precisam ser investigados, presos e punidos. Aí eu concordo contigo. Não estou falando desses. Esses são a exceção. Estou falando da regra. Graças a Deus, até hoje participei, vi e vivi aqui dentro da regra, e a regra está 99,9%, que estão com muitas dificuldades.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação