O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, diz se preocupar que o novo presidente da entidade não tenha uma visão independente. Sua gestão se encerra no começo do próximo ano, quando assume nova diretoria nacional. “Me preocupo que permaneça dentro da Ordem uma visão independente, apartidária e crítica; uma visão de defesa do Estado democrático de direito. Mas, cada presidente tem um perfil próprio e responde a cada tempo específico”, disse.
Na semana passada, o vice-presidente da Ordem, Luiz Viana, que é candidato à presidência da entidade em 2022, encabeçou um movimento que divulgou um manifesto contra o presidente da OAB. O texto, que teve o aval de outros dois integrantes da diretoria e foi endossado por integrantes de seccionais, diz que é preciso "corrigir rumos" da entidade e pede para que a entidade se “afaste das disputas político-partidárias”.
Felipe Santa Cruz diz estranhar que grupo busque, neste momento, aliança com setores que apoiam o presidente Jair Bolsonaro e a Operação Lava-Jato. “Eu estranho que agora, na hora da eleição, eles busquem aliança com setores que existem na advocacia, que apoiam a Lava-Jato e apoiam o governo Bolsonaro. Parece que é a única alternativa política para eles, e eu respeito essa opção, mas divirjo dela”, afirmou.
Apesar disso, pontua que entende o movimento. “Sou um democrata radical. Eu compreendo profundamente os processos eleitorais. A gente está a poucos meses de um processo eleitoral e é natural que as pessoas que têm pretensões futuras se apresentem nesse processo eleitoral. Acho apenas que esse grupo, em especial, que ficou dois anos na minha diretoria, não se ouviu deles qualquer divergência em reuniões, sejam privadas, seja diretamente a mim, em relação à linha que nós vínhamos adotando”, frisou.
Santa Cruz tem como candidato para a sua sucessão o secretário-geral, Beto Simonetti, o único entre os cinco membros da diretoria que não participa do movimento contrário ao presidente. Ele diz enxergar que seu perfil foi positivo e importante para a OAB neste momento de enfrentamento, mas que o próximo presidente terá suas próprias características, e que tem “plena convicção" de que Beto “será um presidente de grande sucesso”. “A OAB correu o risco de acabar e a advocacia perder a sua grande entidade de representação”, disse.
Questionado se sentiu-se traído pelo movimento vindo de dentro da diretoria, negou. “Aprendi desde muito cedo a lidar com a divergência. A vida de Ordem tem que ter tolerância pela divergência. Eu entendo que é o contexto eleitoral, e tenho a mais absoluta segurança pelo que fiz ao longo desses dois anos e meio”, afirmou, frisando que recebeu a Ordem em um momento de muitos ataques. Ele citou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 108, de 2019, que retiraria a obrigação da inscrição de profissionais em conselhos das categorias. “Visava o desmonte da máquina capilar que a OAB tem em todo o país”, afirmou.
Confira trechos da entrevista:
No manifesto, uma coisa que eles colocam é que acham que o senhor se posiciona politicamente. O senhor acha que extrapolou em algum momento?
Uma tranquilidade que eu tenho é a de que eu não tenho um posicionamento político-partidário. Tanto que eu desafio qualquer pessoa a dizer a que partido eu servi. Eu tenho uma relação de respeito com os partidos, até porque a Ordem tem uma agenda enorme no Legislativo, é o foco central deste trabalho. (O fato de) Eu não criminalizar a política, tenho isso como um ideal de vida. A política tem seus vícios e suas qualidades como toda a sociedade brasileira. Tive uma atuação completamente independente, e esse discurso nasce, volto a dizer, da perspectiva eleitoral e tentando construir algum tipo de coesão nesses grupos que apoiam a Lava-Jato, e apoiam o bolsonarismo. E eu compreendo que eles não gostem do que eu penso e professo, porque a nossa visão de mundo é muito diferente.
Mas quando o senhor se posicionou contra falas ou ações do presidente, o senhor acha que extrapolou em algum momento?
Eu sou uma pessoa extremamente moderada no trato. Eu, por exemplo, sofri do presidente da República talvez a maior agressão que uma pessoa pode sofrer. Ele mentiu descaradamente, como costuma fazer — aliás, o presidente é um mentiroso contumaz. Mentiu sobre a memória do meu pai (Fernando Santa Cruz), e, a partir daí, abriu uma campanha de valorização da lembrança da memória da Ditadura Militar. Isso é importante dizer. Não é só um pai do presidente da Ordem. Qual foi a minha linha de defesa? A defesa da democracia. Em momento nenhum bati boca com o presidente, apesar de, claro, do ponto de vista pessoal, devotar ao presidente o mais profundo desprezo. Mas ele é o presidente da República, merece de mim o diálogo institucional. Quem se recusou a dialogar com a OAB foi o governo, nunca a OAB. A OAB dialogou com todos os integrantes do governo que quiseram dialogar com a OAB. Então, eu tenho a mais absoluta tranquilidade que da nossa parte houve moderação e firmeza. Agora, eu tenho um jeito firme de me portar. Sou um advogado combativo, e de mim há que se esperar firmeza. Mas acredito que dentro do que se espera de uma conduta e do equilíbrio que deve pautar a presidência da Ordem.
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