História

Quem foi Adolf Eichmann, oficial da SS citado na CPI da Covid

Durante sessão nesta quinta, o senador Alessandro Vieira comparou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ao funcionário do governo alemão que, durante o nazismo, era responsável pela logística do extermínio em massa de judeus

Jéssica Gotlib
postado em 20/05/2021 16:44 / atualizado em 20/05/2021 16:50
Esta foto de arquivo tirada em 11 de abril de 1961 mostra o criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann em pé em seu cais à prova de balas durante o primeiro dia de seu julgamento em frente a um tribunal israelense, 11 de abril de 1961, em Jerusalém -  (crédito: Arquivos/AFP)
Esta foto de arquivo tirada em 11 de abril de 1961 mostra o criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann em pé em seu cais à prova de balas durante o primeiro dia de seu julgamento em frente a um tribunal israelense, 11 de abril de 1961, em Jerusalém - (crédito: Arquivos/AFP)

Os interrogatórios da CPI da Covid seguem como palco de discussões acaloradas no Senado. No início da tarde desta quinta-feira (20/5), o senador Alessandro Vieira (Cidadania/RS) protagonizou uma das cenas mais polêmicas do dia ao comparar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello com um alto funcionário da SS, organização paramilitar do partido nazista.

"Ele não possuía histórico ou traços preconceituosos, não apresentava características de um caráter distorcido ou doentio. Ele agiu segundo o que acreditava ser seu dever, cumprindo ordens superiores e movido pelo desejo de ascender em sua carreira profissional, na mais perfeita lógica burocrática. Cumpria ordens sem questioná-las com o maior zelo e eficiência, sem refletir sobre as consequências que elas pudessem causar”, citou o senador em referência a uma análise de perfil do oficial nazista Adolf Eichmann.

O senador defendeu que o ex-ministro seguia ordens "como uma engrenagem" e que, durante as respostas na CPI, defendia por "dever ou lealdade" quem teria verdadeiramente determinado os rumos das ações do Brasil durante a pandemia de Covid-19.

"Faço essa referência porque, muito claramente, nos contatos que tivemos o senhor nunca se portou com desrespeito à vida. Pelo contrário, quando telefonei pedindo respiradores para o estado de Sergipe, o senhor conseguiu dar um atendimento super célere. Salvou vidas naquele estado. Mas, no conjunto da obra, no exercício de uma política de saúde, o senhor falhou. E tenho absoluta convicção que não falhou por decisão sua”, salientou o senador.

A filósofa alemã Hannah Arendt escreveu um livro sobre Eichmann após acompanhar o julgamento dele como correspondente da revista The New Yorker
A filósofa alemã Hannah Arendt escreveu um livro sobre Eichmann após acompanhar o julgamento dele como correspondente da revista The New Yorker (foto: JOHN MACDOUGALL/AFP)

Caso emblemático

Mas, quem foi Adolf Eichmann? O relato mais famoso sobre essa figura foi escrito pela filósofa alemã Hannah Arendt para a revista The New Yorker quando, na década de 1960, Eichmann foi capturado na Argentina e levado a julgamento em Israel por sua participação no extermínio de judeus durante o período nazista. As observações se transformaram no livro Eichmann em Jerusalém, um relato sobre a banalidade do mal.

O texto argumenta que grandes tragédias, como o holocausto, dependem do apoio de sujeitos desprovidos de pensamento crítico, de figuras apolíticas que não tomem lado e que possam facilmente deixar de lado a empatia em relação a terceiros, quando estes fogem ao escopo dos seus interesses. O livro se conclui com a “hipótese de que o mal talvez esteja intimamente relacionado com a ausência de pensamento naquele que o pratica”.

Gabriel Bach, 93, ex-juiz da Suprema Corte de Israel e ex-procurador adjunto durante o julgamento do oficial nazista alemão Adolf Eichmann
Gabriel Bach, 93, ex-juiz da Suprema Corte de Israel e ex-procurador adjunto durante o julgamento do oficial nazista alemão Adolf Eichmann (foto: MENAHEM KAHANA/AFP)

Preso na Argentina, julgado em Israel

Tudo isso foi escrito enquanto Arendt acompanhava dos bancos do tribunal o julgamento de Adolf Eichmann. Ele havia fugido para a Áustria e, depois, para Buenos Aires logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Usou os nomes falsos de Otto Eckmann, Otto Heninger e por fim, Ricardo Klement. Esta última identidade foi usada até a descoberta e captura do ex-oficial nazista pelo serviço secreto israelense.

Foi o único a ser julgado pelo tribunal de Jerusalém, uma vez que as demais lideranças políticas, militares e econômicas da Alemanha haviam sido processados nos tribunais internacionais de Nuremberg. A apreciação do caso de Eichmann durou nove meses, entre 11 de abril e 12 de dezembro de 1961. No fim, ele foi declarado culpado por crimes contra a humanidade, contra os judeus, e associação a organização criminosa.

Mesmo quando estava prestes a ser enforcado, o nazista seguia alegando inocência com o argumento de que apenas cumpria ordens. “Eu não era um líder responsável, e, como tal, não me sinto culpado”, escreveu em defesa própria.

Foto tirada em 27 de janeiro de 2016 mostra a primeira página de um apelo manuscrito de décadas do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann por clemência por seu papel no Holocausto
Foto tirada em 27 de janeiro de 2016 mostra a primeira página de um apelo manuscrito de décadas do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann por clemência por seu papel no Holocausto (foto: GALI TIBBON/AFP)

Como responsável pela logística da “solução final”, o oficial se encarregou de mandar milhares de judeus para campos de concentração e extermínio. Ele chegou a assistir execuções em massa a tiros e em câmaras de gás, declarando que elas eram ‘desumanas’, não para as vítimas, mas para os executores. Ainda assim, nunca demonstrou qualquer tipo de arrependimento.

Eichmann foi enforcado no dia 1º de junho de 1962. Os relatos da época dão conta de que suas últimas palavras foram: “Viva a Alemanha. Viva a Argentina. (...) Morro a acreditar em Deus”. O julgamento e toda a produção intelectual posterior a ele teve impacto significativo na opinião pública e nas narrativas sobre o Holocausto.

E, embora a visão de Hannah Arendt sobre o fervor ideológico de Eichmann seja contestada por outros estudiosos, ele é frequentemente associado pejorativamente à figura de burocratas que prejudicam outras pessoas sistematicamente.

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  • Uma fotografia da filósofa e teórica política germano-americana Hannah Arendt impressa em uma tela de seda está em exibição durante uma prévia da exposição
    Uma fotografia da filósofa e teórica política germano-americana Hannah Arendt impressa em uma tela de seda está em exibição durante uma prévia da exposição "Hannah Arendt e o Século XX" no Museu Histórico Alemão (Deutsches Historisches Museum - DHM) em Berlim em 6 de maio de 2020. A exposição, que abre em 11 de maio de 2020, tem como objetivo traçar as observações de Arendts sobre a história contemporânea sobre, entre outros temas, totalitarismo, anti-semitismo, a situação dos refugiados e o julgamento de Eichmann em Jerusalém. / AFP / John MACDOUGALL Foto: JOHN MACDOUGALL/AFP
  • Gabriel Bach, 93, ex-juiz da Suprema Corte de Israel e ex-procurador adjunto durante o julgamento do importante oficial nazista alemão Adolf Eichmann, posa para uma foto enquanto segura uma foto que o mostra (abaixo) durante o de Eichmann (topo ) julgamento, no quintal de sua casa em Jerusalém em 3 de maio de 2020. Dias depois de Israel anunciar que Eichmann havia sido preso e trazido ao país para julgamento, Bach - então servindo como procurador do estado - recebeu uma atribuição que alterou permanentemente sua vida. Bach era o procurador-geral adjunto de Israel quando, há 60 anos neste mês, o mundo soube que um dos principais arquitetos da
    Gabriel Bach, 93, ex-juiz da Suprema Corte de Israel e ex-procurador adjunto durante o julgamento do importante oficial nazista alemão Adolf Eichmann, posa para uma foto enquanto segura uma foto que o mostra (abaixo) durante o de Eichmann (topo ) julgamento, no quintal de sua casa em Jerusalém em 3 de maio de 2020. Dias depois de Israel anunciar que Eichmann havia sido preso e trazido ao país para julgamento, Bach - então servindo como procurador do estado - recebeu uma atribuição que alterou permanentemente sua vida. Bach era o procurador-geral adjunto de Israel quando, há 60 anos neste mês, o mundo soube que um dos principais arquitetos da "Solução Final" de Adolf Hitler para exterminar os judeus da Europa havia sido apreendido por uma equipe israelense do Mossad de agentes secretos na Argentina. / AFP / MENAHEM KAHANA Foto: MENAHEM KAHANA/AFP
  • Uma foto tirada em 27 de janeiro de 2016 mostra a primeira página de um apelo manuscrito de décadas do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann por clemência por seu papel no Holocausto, enquanto a carta é exposta ao público a partir dos arquivos do presidente israelense Departamento Jurídico do Escritório durante uma cerimônia marcando 55 anos desde o julgamento de Eichmann por ocasião do Dia Internacional em Memória do Holocausto no complexo presidencial em Jerusalém. Evento especial durante o Dia Internacional em Memória do Holocausto marcando 55 anos desde o julgamento de Adolf Eichmann no complexo presidencial em Jerusalém . Em seu pedido ao Presidente em exercício de Israel, Yitzhak Ben-Zvi, Eichmann escreveu:
    Uma foto tirada em 27 de janeiro de 2016 mostra a primeira página de um apelo manuscrito de décadas do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann por clemência por seu papel no Holocausto, enquanto a carta é exposta ao público a partir dos arquivos do presidente israelense Departamento Jurídico do Escritório durante uma cerimônia marcando 55 anos desde o julgamento de Eichmann por ocasião do Dia Internacional em Memória do Holocausto no complexo presidencial em Jerusalém. Evento especial durante o Dia Internacional em Memória do Holocausto marcando 55 anos desde o julgamento de Adolf Eichmann no complexo presidencial em Jerusalém . Em seu pedido ao Presidente em exercício de Israel, Yitzhak Ben-Zvi, Eichmann escreveu: "É verdade que eu era pessoalmente de uma posição tão elevada a ponto de ser capaz de perseguir, ou que eu mesmo era um perseguidor na perseguição dos judeus , em face de uma regra tão abundante, é claro que os juízes em sua decisão ignoraram o fato de que eu nunca servi em uma posição tão elevada como exigido para estar envolvido independentemente em tais responsabilidades decisivas. Também não dei nenhuma ordem em meu próprio nome, mas só agi? Por ordem de ?. A carta tinha a data de assinatura: "Adolf Eichmann Jerusalém, 29 de maio de 1962." / AFP / GALI TIBBON Foto: GALI TIBBON/AFP
  • (ARQUIVOS) Esta foto de arquivo tirada em 11 de abril de 1961 mostra o criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann em pé em seu cais à prova de balas durante o primeiro dia de seu julgamento em frente a um tribunal israelense, 11 de abril de 1961, em Jerusalém. O presidente israelense Reuven Rivlin deve tornar públicos documentos inéditos, incluindo um pedido manuscrito de clemência do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann, no Dia Internacional em Memória do Holocausto em 27 de janeiro de 2016. Ex-líder da SS nazista e um dos principais organizadores dos campos de extermínio na Europa Oriental ocupada pelos nazistas, foi capturado por agentes israelenses do Mossad na Argentina, indiciado por um tribunal israelense por 15 acusações criminais, incluindo acusações de crimes contra a humanidade, crimes contra o povo judeu e filiação a uma organização ilegal. Ele foi condenado à morte em 15 de dezembro de 1961 e executado em 1962 em Jerusalém. / AFP / -
    (ARQUIVOS) Esta foto de arquivo tirada em 11 de abril de 1961 mostra o criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann em pé em seu cais à prova de balas durante o primeiro dia de seu julgamento em frente a um tribunal israelense, 11 de abril de 1961, em Jerusalém. O presidente israelense Reuven Rivlin deve tornar públicos documentos inéditos, incluindo um pedido manuscrito de clemência do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann, no Dia Internacional em Memória do Holocausto em 27 de janeiro de 2016. Ex-líder da SS nazista e um dos principais organizadores dos campos de extermínio na Europa Oriental ocupada pelos nazistas, foi capturado por agentes israelenses do Mossad na Argentina, indiciado por um tribunal israelense por 15 acusações criminais, incluindo acusações de crimes contra a humanidade, crimes contra o povo judeu e filiação a uma organização ilegal. Ele foi condenado à morte em 15 de dezembro de 1961 e executado em 1962 em Jerusalém. / AFP / - Foto: Arquivos/AFP
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