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Bolsonaro estreita relações com o 'baixo escalão' militar

Para analistas, a não punição de Pazuello é parte de um xadrez jogado pelo presidente para eventual aventura autoritária sem a participação da cúpula das Forças Armadas. Porém, há dúvidas se algo assim tem espaço para dar certo e, sobretudo, se terá respaldo

Luiz Calcagno
Sarah Teófilo
postado em 06/06/2021 06:59 / atualizado em 06/06/2021 15:14
 (crédito: Marcos Correa/PR)
(crédito: Marcos Correa/PR)

A decisão do comando do Exército em não punir o general Eduardo Pazuello, que, na última semana, foi acolhido em outro cargo no Palácio do Planalto, gerou reação imediata de diferentes frentes políticas no Brasil. O sentimento que restou foi de alerta e receio devido ao claro sinal de interferência política do presidente Jair Bolsonaro. A decisão do general Paulo Sergio Nogueira, de não punir o ex-ministro da Saúde pela infração disciplina por participar de um ato político, vem pouco depois de tornar-se comandante da Arma, em substituição a Edson Pujol — demitido com os comandantes da Marinha e da Aeronáutica, além do então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva.

Analistas apontam que, para promover as seguidas intervenções na caserna, Bolsonaro se escora no “baixo escalão” militar, uma característica que manteve dos tempos em que chegou a tenente — a patente de capitão foi obtida depois que passou à reserva —, oficial subalterno na gradação do Exército. Para o sócio da Hold Assessoria Legislativa, André César, o chefe do Executivo está criando uma mobilização nas baixas patentes “porque elas falam a língua dele”.

“O presidente está jogando, montando um quebra-cabeça, peça por peça, para fazer uma projeção que pode ser uma prévia de uma ação mais efetiva e mais dramática. Bolsonaro saiu da retórica para a ação. E essa ação pode se dar em cima dos bolsonaristas raiz, da Polícia Militar e do baixo escalão dos militares”, alerta.

Diretor do Instituto Luiz Gama, constitucionalista e doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo, Camilo Onoda Caldas tem uma visão semelhante. Ele destaca que Bolsonaro vem testando os limites das instituições e o desafio ao comandante do Exército foi mais um. “Nenhum episódio de ruptura institucional acontece a partir de um ato isolado. É sempre uma soma de pequenos atos que podem culminar em um grande evento. O regime autoritário não se institui do dia para a noite. Ele testa as instituições. Já tivemos outras experiências no governo Bolsonaro e essa, claramente, é mais uma”, observou.

A decisão do comandante do Exército, para o jurista, mostrou uma corporação disposta a tolerar ações políticas de seus agentes. “Imagine se fosse em um ato do Lula? As Forças Armadas proíbem ato político. Basta pensar: se fosse Lula e um general. Alguém ia dizer que não tem caráter político? As Forças Armadas já estão dizendo que são mais tolerantes com um grupo do que com o outro”, aponta.

Bloco forte

Professor de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Patto Sá Motta afirma que a decisão do comandante “acende um alerta e gera uma preocupação sobre qual postura o Exército vai tomar no cenário eleitoral”. “Talvez o que o Bolsonaro queira não seja garantir o alinhamento de todos, mas garantir um bloco forte ao lado dele. Talvez, nas contas que faça, isso seja suficiente”, diz. O professor ressalta que o mais importante é observar quem estaria disposto a “dar um golpe” a favor do presidente.

“Essa é a pergunta real. A decisão de não punir a indisciplina é muito ruim, porque indica a tolerância à anarquia e um aval para tomar medidas golpistas a favor do Bolsonaro”, afirma. Segundo ele, entretanto, o “cálculo do golpista não é só dar o golpe, mas ter força para governar”. Nesse caso, sem o apoio da maior parcela população, do empresariado e da grande imprensa, a situação se complicaria, caso invista numa tentativa sem sustentação de dentro ou de fora do país.

Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis não vê risco de ruptura da ordem democrática com o apoio do Exército. “Duvido que o Exército tome partido a favor do presidente. Do ponto de vista geopolítico, isso é fechar o Brasil. Quem vai querer, num contexto que não é de guerra fria, num contexto internacional, se liquidar junto com Bolsonaro?”, questiona.

A decisão do general Paulo Sérgio Nogueira, para Melillo, gera o desgaste da democracia, do Exército e do presidente. “Ninguém sai disso por cima. É ilusão achar que Bolsonaro saiu por cima desse episódio. Ele saiu com muitos problemas para resolver”, avalia. Para o analista, ao atropelar a disciplina militar para submeter aos seus objetivos, o presidente dá um salto no escuro “que vai ter volta do Exército enquanto instituição”.

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Relação estreita com PMs

No último dia 2, durante cerimônia de formatura do curso de aperfeiçoamento de oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal, o coronel William Delano Marques de Araújo, que comanda a academia, encerrou seu discurso dizendo: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Em seguida, o coronel Márcio Cavalcante de Vasconcelos, comandante-geral da PM-DF, concluiu sua fala da seguinte forma: “Deus os abençoe, muita sorte, sucesso. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. As frases remetem ao lema da campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, que, aliás, participou do evento.

Desde que assumiu, o presidente é frequentemente visto em cerimônias das polícias militares, tanto nos eventos de formação de oficiais quanto no de soldados. Para o professor Rodrigo Patto Sá Motta, professor de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a imagem que se projeta é a de que Bolsonaro comanda o Exército passando por cima dos regulamentos. Algo que, segundo ele, tem peso nas PMs, forças auxiliares à Arma terrestre.

“Muita gente tinha expectativa de que o Exército seria mais institucional, uma força da República, serviria de anteparo ao bolsonarismo nas polícias. Mas isso não se confirma. A sensação que fica é a de que uma aventura golpista, que, porventura, venha de policiais, pode não ter anteparo das Forças Armadas. Podem se omitir, lavar as mãos”, avalia.

Eleito com o apoio dos militares, inclusive dos policiais, e das categorias da área da Segurança Pública, é preciso observar de perto o movimento dessas corporações, conforme alerta o analista André César, da Hold Assessoria Legislativa. Ele lembra do episódio recente envolvendo a repressão de policiais militares a um ato contra o presidente, em Recife — o governador Paulo Câmara demitiu o comandante da PM de Pernambuco, coronel Vanildo Maranhão, e até hoje não está esclarecido quem deu a ordem para a tropa de choque investir contra os manifestantes. Outro episódio foi o da prisão do professor Arquidones Bites, dirigente do PT de Goiás, que recebeu ordem de prisão por causa da faixa contra Bolsonaro estampada no seu carro — os policiais o detiveram “com base na Lei de Segurança Nacional”.

No começo do governo, o presidente também apoiou um levante de policias militares no Ceará, no qual o senador Cid Gomes (PDT-CE) foi ferido a bala depois de tentar desfazer um piquete no 3º BPM, em Sobral. (ST e LC)


"Muita gente tinha expectativa de que o Exército seria mais institucional, serviria de anteparo ao bolsonarismo nas polícias"

Rodrigo Patto Sá Motta, professor da UFMG

 

 

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