Poder

Mesmo com recuo de Bolsonaro, STF e Senado mantêm presidente sob pressão

Ao renegar intenções golpistas que alimentaram as manifestações no 7 de Setembro, presidente esperava vida mais fácil para o governo, mas colhe derrotas no Congresso e na Justiça

Augusto Fernandes
Ingrid Soares
postado em 19/09/2021 06:00 / atualizado em 19/09/2021 12:51
 (crédito: Evaristo SA/AFP - 14/9/21)
(crédito: Evaristo SA/AFP - 14/9/21)

Ao recuar dos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao ministro Alexandre de Moraes, assumindo para si uma carta de desculpas escrita pelo ex-presidente Michel Temer (MDB-SP), em que fala de harmonia entre Executivo e Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro arrefeceu, pelo menos um pouco, as queixas contra o governo dele e, principalmente, a pressão pela abertura de um processo de impeachment. O presidente vinha recebendo críticas de todos os lados pelos discursos acima do tom que adotou no feriado da Independência, mas deu um passo atrás, mesmo a contragosto, para evitar que a crise institucional se agravasse.

Entretanto, eventuais “bonificações” que Bolsonaro esperava receber a partir da divulgação da carta ainda não chegaram. Era desejo do chefe do Executivo que o Senado acelerasse a sabatina de André Mendonça, indicado para ocupar uma vaga no STF. A expectativa, no Planalto, era que, ao amenizar as falas contra a Suprema Corte, houvesse um clima mais tranquilo para que o nome do ex-advogado-geral da União fosse aprovado, mas o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), resiste em marcar a data da sabatina.

A indefinição da situação de Mendonça é só uma das muitas dificuldades que Bolsonaro enfrenta no Congresso e no STF, que têm imposto ao presidente sucessivas derrotas políticas e jurídicas. Na semana passada, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), devolveu a medida provisória que pretendia limitar a ação de provedores de redes sociais para remover perfis e conteúdos da internet que espalham notícias falsas. No Supremo, Moraes decidiu suspender os efeitos de uma portaria assinada por Bolsonaro que dificultava a marcação e o rastreamento de armas e munições no país.

Se o presidente esperava alguma reciprocidade do STF e do Senado pela iniciativa da carta, ele acabou virando alvo de seus próprios apoiadores, que não entenderam bem o recuo, e passaram a contestar o presidente. Nas redes sociais, o chefe do Executivo perdeu seguidores por baixar o tom contra o Judiciário e, sobretudo, por ter pedido ajuda ao ex-presidente Michel Temer, que é amigo de Moraes e foi quem o indicou para uma vaga de ministro do Supremo. Agora, há o entendimento de que só um lado venceu com o gesto do presidente, e esse lado não é o de Bolsonaro.

“Esse gesto ainda não teve uma contrapartida. Eu espero que a desesperança que vem tomando conta do meu coração, por conta das atitudes daqueles que não querem Bolsonaro no poder, dê lugar à esperança, quando o outro lado terá também a grandeza de fazer um gesto público de pacificação, porque a paz que vem de um único lado não é paz, é submissão. E nós não queremos ver um Poder submisso a outro”, avaliou o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ). Para ele, o país “precisa de paz”, mas nem o STF nem o Senado “querem harmonizar alguma coisa neste país”.

As incertezas sobre o futuro da crise política também afetam parlamentares que não se alinham automaticamente ao bolsonarismo. “Está ficando cada vez mais popular falar em atuar dentro das quatro linhas da Constituição. É isso o que nós queremos para o nosso país: sensatez, moderação, equilíbrio. Esperamos que, da mesma forma (que o presidente acenou com um pedido de harmonia), gestos nesse sentido também sejam feitos pelo STF e pelos ministros. Precisamos que todos os Poderes respeitem a Constituição”, disse o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS).

Críticas a Pacheco

Para parlamentares governistas, o Senado tem sido o maior empecilho ao presidente Bolsonaro após a carta. Alguns dizem que Pacheco tem tomado medidas contra os interesses do Planalto devido à possibilidade de o senador sair candidato na eleição presidencial do ano que vem. “Lamento muito que o presidente do Senado, pré-candidato a presidente da República, tente de todas as maneiras impedir que o governo Bolsonaro ande normalmente”, queixa-se o deputado Bibo Nunes (PSL-RJ). “O Senado está passando um atestado de imaturidade, insensibilidade, irresponsabilidade ao não aprovar a indicação feita pelo presidente do nome de André Mendonça, altamente capacitado. Sequer o sabatinaram. Hoje, o Senado tem credibilidade negativa perante a população brasileira. Esse é um grande absurdo”, acrescenta.

O deputado Major Vítor Hugo (PSL-GO) diz que o governo não quer nenhum tipo de ruptura, mas pede a colaboração das demais instituições. “Não entendemos exatamente qual é a resistência do Pacheco com alguns temas, e se ele faz isso porque quer se cacifar como terceira via para as eleições. Nós queremos que os Poderes, que todos aqueles que ocupam cargos relevantes na nossa República, respeitem os limites da Constituição e exerçam o poder de autocontenção em face das atribuições dos demais Poderes.”

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Isolado e cercado por crises

 (crédito: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press - 13/3/18)
crédito: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press - 13/3/18

Apesar de culpar frequentemente governadores e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pelas mazelas do país com a pandemia e a alta da inflação, o presidente Jair Bolsonaro encontra em si próprio seu principal antagonista. Após as declarações antidemocráticas - e o recuo subsequente -, parte do agronegócio e do mercado financeiro retirou seu apoio ao presidente. Como um tiro no pé, o chefe do Executivo também viu sua popularidade despencar ainda mais. Caso a inflação continue alta e o quadro de recessão se concretize, a expectativa de reeleição em 2022 ficará bastante abalada.

Os dados da economia não ajudam Bolsonaro. Semana passada, o governo elevou, novamente, a projeção da inflação para este ano. A estimativa para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu de 5,9% para 7,9%. O país também enfrenta crise energética provocada pela escassez de água nos reservatórios que abastecem as usinas hidrelétricas do país.

O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) afirma que Bolsonaro está em uma “tempestade perfeita”, cercado, ao mesmo tempo, pelas crises sanitária, política e econômica. Cético, o parlamentar diz que não há sinais de que o presidente possa resolver o estrago já produzido. “Não creio que tenha chance de reverter. Ao contrário. A tendência é ele (Bolsonaro) se isolar. Tem a questão do impeachment, que voltou a ser considerada. Qualquer governante que tem popularidade inferior a 20% se torna uma pessoa inviável na política, e Bolsonaro está próximo disso”, aponta.

Já o deputado federal Major Vítor Hugo (PSL-GO) defende a tese de que a crise vivenciada pelo presidente decorre do enfrentamento à pandemia. No país, a covid-19 matou mais de 589 mil brasileiros. “Temos duas vertentes de uma mesma crise: econômica e sanitária, que atingem o mundo inteiro, e o Brasil tem saído até muito bem na parte econômica porque o presidente, desde lá atrás, focou nos dois campos. O Brasil criou mais de 1,5 milhão de empregos neste segundo ano de pandemia, tem previsão de crescimento entre 5% e 6% do PIB neste ano. É o melhor abril do ano no que diz respeito às contas públicas em sete anos, e o melhor juro da história”, disse o deputado, repetindo os argumentos que o governo usa nas redes sociais para se defender de críticas.

Sobre o resultado das últimas pesquisas, em especial a do Instituto Datafolha, divulgada na última sexta-feira e que aponta recorde de rejeição ao presidente Bolsonaro (53%), Major Vítor Hugo disse que não confia em levantamentos do tipo. “Tenho viajado com o presidente e o cenário é de apoiamento e de paixão das pessoas por ele. Não vislumbro que esse resultado seja o correto, pelo que a gente vê no dia a dia nas ruas”.

Paraquedas

Gil Castello Branco, diretor-geral da Associação Contas Abertas, explica que as incertezas econômicas e políticas geradas, em grande parte, pelo comportamento de permanentemente confronto do presidente prejudicam a recuperação da economia: “É muito difícil para investidores no Brasil, sem a certeza de que teremos ou não eleições daqui a um ano e se a responsabilidade fiscal será afetada pelo arsenal populista”. Ele aponta que há também receio de que sejam abertas “chaminés” no teto de gastos, por causa da falta de dinheiro para pagar precatórios (dívidas da União reconhecidas pela Justiça) no ano que vem. “No desespero eleitoral, o governo está preparando o paraquedas para conter a queda livre da popularidade do presidente”.

O Auxílio Brasil, um Bolsa Família mais robusto, com mais beneficiários, é um desses paraquedas, exemplifica Castello Branco. Para ele, o desespero eleitoral está levando o governo ao desatino fiscal. “O parcelamento de despesas obrigatórias é uma burla às regras fiscais vigentes. Na iminência de descumprir o teto de gastos, muda-se a regra. A mágica para burlar o teto de gastos abrindo espaço para despesas no ano eleitoral terá como consequência a alta da inflação e dos juros, a fuga de capitais, a redução dos investimentos e o desemprego. A carruagem rapidamente pode virar abóbora”, alerta o especialista em contas públicas.

O cientista político do Ibmec-DF Ricardo Caichiolo destaca que os índices de rejeição a Bolsonaro vêm aumentando a cada pesquisa de opinião. Para ele, um dos principais motivos é a inflação, que tem atingido em cheio produtos e serviços essenciais às famílias brasileiras. “As perspectivas para o último trimestre de 2021 e para o ano de 2022 estão longe de ser animadoras. O mercado indica um aumento da taxa de juros para frear a inflação, o que acabará inibindo investimentos que permitiriam uma melhora do PIB e uma diminuição do número exorbitante de desempregados. Há, ainda, uma crise hídrica no horizonte, que pode jogar por terra qualquer tentativa de reeleição do presidente”.

Já Melillo Dinis, analista político do portal Inteligência Política, acrescenta que o chefe do Executivo segue em campanha eleitoral: “Pelo que temos visto desde o início do governo, vamos continuar nessa gangorra política enquanto aumenta a desagregação social, em um país sem rumo e com fome. A economia será a questão mais decisiva nas eleições. Um candidato vai ter que convencer os eleitores de que pode reverter este quadro grave, dialogar com o mercado e com os setores produtivos, garantir trabalho, renda e dignidade. O nome disso é esperança”.

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